quarta-feira, abril 30, 2014

O Pescador que Gosta das Histórias dos Livros


António, o velho pescador nunca andou na escola, porque os caminhos para a lagoa e para o mar ficavam na direcção oposta da aula da dona Aurora...

No início os pais precisavam dele para tomar conta dos dois irmãos mais pequenos e não o deixaram entrar na escola no seu tempo. Depois de crescer um palmo continuava com vontade de aprender, mas a vergonha de não saber ler e de ficar junto dos miúdos pequenos, onde estava o seu irmão Alfredo, também ajudou a que nunca aprendesse a ler. 

Logo ele que gostava de histórias e das palavras bonitas que ouvia aqui e ali (e não esquecia...).

Anos mais tarde a sua filha mais nova, a Carmo, além de lhe querer ensinar a ler e a escrever, começou a ler-lhe histórias do livro de leitura. Não conseguiu ensiná-lo mas ganhou um ouvinte atento de todos os textos que estavam dentro dos livros da escola.

Alguns anos mais tarde ela começou a ler-lhe  "Os Esteiros", um dos romances do Soeiro Pereira Gomes. Foi a sua estreia com livros a sério. Seguiram-se outros livros que falavam do povo e das coisas que ele conhecia, de Alves Redol, de Romeu Correia, de Manuel da Fonseca, entre outros.

Ainda hoje a sua filha escolhe textos, que muitas vezes são apenas crónicas de jornal, que guarda para depois lhe ler, com todo o amor do mundo. 

Há outro facto curioso, o lugar onde os dois mais gostam de se encontrar com as palavras escritas, é rente ao Atlântico, com a cumplicidade das ondas e das gaivotas.

O óleo é de Michael de Bono.

terça-feira, abril 29, 2014

Seremos Sempre Dois Países


Estou cada vez mais convencido que seremos sempre "dois países", ou seja, um país partido e dividido em duas partes, que serão inevitavelmente separados pelo lado direito e esquerdo da vida dos portugueses.

Penso que esta divisão deve-se mais às ambições humanas, que à sua própria ideologia. Quem sonha um dia ser rico, colocando de parte as hipocrisias, dificilmente defenderá alguma vez a existência de uma sociedade igualitária...

Quem tem mais dificuldade em conviver com a injustiça e se sente indignado pela forma desigual com que são tratadas as pessoas, terá sempre um comportamento diferente. Não conseguirá comer "lagosta" se ao seu lado estão a comer "broa dura"...

O óleo é de Scott Frazer.

domingo, abril 27, 2014

O Meu Alentejo sem Saudosismos


Das coisas que mais me incomodam são os discursos saudosistas de alguma gente, nem sempre completamente ignorante, que até gostam de louvar o ditador de Santa Comba... 

É normalmente gente mais velha que eu, que conheceu de trás para frente e da frente para trás esse país miserável, com educação e saúde apenas para uma minoria, com a maior parte das pessoas escravas de um tempo sem tempo, onde até o pão escasseava...

É por isso que gosto de morar Além Tejo.

Embora por aqui ainda se encontrem alguns saudosistas (mais escondidos que na outra margem do rio, mas às vezes deixam o rabo de fora...), tenho quase a certeza que eles acabam para os lados de Alcácer, onde começa o verdadeiro Alentejo.

E é também por isso que gosto de ser alentejano, pois tal como eles, nunca ninguém me ouvirá falar com saudades do "tempo da outra senhora (é mais senhores, mas...)".

Se é do "respeitinho" que têm saudades, metam-no num sitio que eu cá sei.

O óleo é de Ernesto Arrisueno.

sábado, abril 26, 2014

26 de Abril de 1974


Hoje recuei quarenta anos e escrevi um poema, como se estivesse no dia 26 de Abril de 1974:

26 de Abril de 1974

Na manhã do dia 26 de Abril
somos sobretudo emoção
na ressaca dos sonhos mil
que escondemos no coração

Na manhã do dia 26 de Abril
somos reféns da fantasia
por acreditarmos que Abril
nos vai trazer paz, amor e alegria

Na manhã do dia 26 de Abril
continuamos a viver o turbilhão
que acabou com um regime senil
através de uma bela Revolução

Na manhã do dia 26 de Abril
continuamos em suspense na Cidade
abraçados aos Capitães de Abril
sem tirar os olhos da Liberdade

O óleo é de Sérgio Cerchi.

sexta-feira, abril 25, 2014

25 de Abril de 1974


Guardei este poema que acompanha a minha exposição de fotografia, "Cravos da Liberdade", propositadamente para hoje, por todas as razões. Chamei-lhe "25 de Abril de 1974" e é também uma homenagem a uma das nossas melhores poetas, Sophia de Mello Breyner Andresen:

As tuas palavras, Sophia,
sobre a madrugada que esperavas,
com o dia inicial, inteiro e limpo
Foram, e ainda são,
das mais belas que os poetas
escreveram sobre a Revolução.

Felizmente o 25 DE ABRIL DE 1974
continua a ser mais que o momento
de onde imergimos da noite e do silêncio.
Apesar das mil e uma contrariedades, é livres,
que ainda habitamos na substância do tempo.

quinta-feira, abril 24, 2014

A Esperança do Dia Vinte e Quatro


O dia 24 tem sido sempre um dia de esperança, todos os anos se espera que Abril se concretize na plenitude.

Eu sei que existe algo de utópico neste desejo, até porque nos últimos anos temos perdido tanta coisa que foi conquistada ao longo dos últimos quarenta anos...

E não vale a pena a malta que tem colunas nos jornais e cadeiras na televisão vir com o "papo furado" que vivíamos acima das possibilidades.

Quem viveu e continua a viver acima das possibilidades deste país são os políticos, que sempre se governaram e governam à nossa custa, que recebem ordenados milionários como gestores de coisa quase nenhuma, quase sempre como prémio de "enterrarem" o que é público, para que os ministros digam em uníssono que o Estado é mau gestor, ao mesmo tempo que entregam as empresas lucrativas ao seu mundo, o mundo do capital.

A minha esperança é que as pessoas abram os olhos e deixem de ir na cantilena desta gente que nos últimos anos conseguiu controlar tudo, até a comunicação social, cada vez mais servil e parcial.

O óleo de Raymond  Leech.

quarta-feira, abril 23, 2014

O Livro das "Mini Férias"


Apesar de saber que a festa de hoje acaba por ser direccionada para os distraídos e para quem ainda entende o livro como um objecto decorativo (as livrarias agradecem a lembrança), esquecendo-se das palavras que se abraçam e dão quase sempre boas histórias, também sei que todos os dias são bons para falar de livros.

Levei dois livros para ler, mesmo sabendo que em quatro dias dificilmente leria um, quando mais dois... mas os livros também gostam de boas companhias.  

Quase de uma forma intuitiva "Apenas Miúdos" de Patti Smith, ultrapassou "Portugal a Flor e a Foice" de J. Rentes de Carvalho. E também como evasão, diga-se de passagem.

E foram uma óptima escolha estas memórias sobre a entrada no mundo artístico de Patti Smith, que foi tantas coisas, antes de ser estrela do rock... ao ponto de conseguir que eu lesse mais de 130 páginas num só dia (coisa que já não me acontecia há muito, porque quando se têm dois filhos, eles não querem ser menos que um livro e com toda a razão...).

É uma história nua e crua do começo de vida de um casal (Patti Smitt e Robert Mapplethorpe), que se encontram em Nova Iorque, "prisioneiros" do sonho de um dia serem alguém no mundo das artes. O mais curioso é Patti estar distante da música no final dos anos sessenta e começo dos anos setenta do século passado. A poesia, o desenho e as artes plásticas são as suas áreas de interesse, embora também experimente o teatro e seja a modelo preferida de Robert, companheiro, amigo, artista plástico, fotógrafo e figura central destas memórias.

Ao longo das mais de trezentas páginas deste livro, recebemos a visita de gente famosa, assim como de alguns lugares lendários, como o famoso "Hotel Chelsea", não só com o brilho estrelar, mas também com os dramas de quem vive quase sempre depressa demais.

Sei que o que mais me entusiasmou foi a escrita de Patti, simples, directa, mas intensa e bastante descritiva de um tempo especial, que levou tanta gente cedo demais...

E ainda me faltam setenta páginas para chegar ao fim. 

terça-feira, abril 22, 2014

«Cheguei ontem, mas ainda não estou cá...»


Cheguei ontem, mas ainda não estou cá...

Gostei que a televisão da nossa casa fosse apenas um pequeno "ecran" de cinema, já que o sinal da TDT é inexistente.

O resto da família teve mais dificuldades de adaptação, apesar de termos trazido de casa uma filmografia bastante variada, desde os filmes de animação, que todos os adultos gostam de ver, até  aos dramas e comédias de várias nações.

Até trouxe "Uma Abelha na Chuva" de Fernando Lopes (que tive de ver sozinho...), que achei fraquito. Gostei de ver a Laura Soveral, mais jovem, e senti que havia alguma proximidade com "O Delfim", na forma como foram retratadas as personagens principais (a infância do Fernando está certamente nos dois filmes...).

Também ouvimos muita música (é aqui que noto que parei mais no tempo, continuo a preferir a música entre os anos setenta  e os noventa...).

Além de trabalhar (boas manhãs...) também deu para passear e ler (há muito tempo que não devorava mais de cem páginas de um livro apenas num dia, depois conto...).

A fotografia é da barragem da Idanha, a nossa "praia" da Beira no tempo quente, tirada no domingo de Páscoa...

sábado, abril 19, 2014

Interioridades


Mesmo sendo um país pequeno, somos incapazes de aproveitar ou explorar as potencialidades que existem no interior. 

Mas não é coisa de hoje, sempre o fomos, sempre tivemos o desejo de "vir ver o mar" e depois acabamos por ficar...

Fala-se muito de qualidade de vida, que existe longe dos grandes centros urbanos. Mas e o resto? E já não falo do teatro, do cinema, dos concertos? (e agora até os livros - falamos pouco, mas quase que não existem livrarias, fora dos centros comerciais...). Falo sim dos centro de saúde, das escolas das repartições de finanças e dos tribunais, encerrados, porque o dinheiro manda em quase tudo...

Compreendo muito bem os jovens que partem assim que podem, até porque a "pasmaceira" nunca foi uma coisa muito saudável para quem está na flor da idade...

O óleo é de Keita Morimoto.

quinta-feira, abril 17, 2014

Páscoa na Beira


Tal como tenho acontecido nos últimos anos, vou passar a Páscoa na Beira.

Não posso falar propriamente em descanso, porque desta vez levo o computador e alguns trabalhos para fazer.

Mas mesmo assim, é diferente.

A mudança de ares faz bem, mesmo que seja por apenas dois ou três dias.

E desta vez parece que o Sol também apareceu, o que é sempre uma boa ajuda, caso pretendamos passear aqui e ali,

O óleo é de Corinne Poplimont.

quarta-feira, abril 16, 2014

Um Povo Sem Memória...


Eu sei que não gostamos muito de pensar, e muito menos de recuar no tempo e rebuscar as nossas memórias.

Essa é uma das explicações para sermos governados pela "mesma gente" há quase quarenta anos, com os resultados que todos conhecemos...

Mas o pior são as contas que todos gostam de fazer, entre o deve e o haver da Revolução dos Cravos.

Quem não gosta muito de pensar, diz que a única coisa que realmente ficou de 1974 foi a liberdade, e mesmo essa, tem dias.

A ignorância sempre foi atrevida, claro que ficaram muitas mais coisas. Não podemos pensar o país apenas pelos últimos quatro anos, em que nos têm sonegado muitas das "conquistas de Abril", especialmente em termos laborais.

Antes da Revolução a maior parte das aldeias do nosso país não tinham electricidade, água canalizada, saneamento nem tão pouco acessos por estradas decentes (em muitos casos eram caminhos de cabras...). Havia quem morresse sem ter sido consultado uma única vez por um médico. As pessoas nunca liam a realidade dos factos nos jornais ou revistas, liam sim a realidade dos censores, que cortavam tudo o que achavam "subversivo". Existia uma polícia política que se alimentava de uma rede de bufos, em quase todas as ruas, que prendia quem lhes apetecia, quase sempre sem culpa formada. E para o fim deixo o pior: havia uma guerra nas províncias ultramarinas que matava e mutilava todos os anos milhares de jovens, que eram obrigados a matar e a morrer pela "pátria", depois de serem enfiados nos paquetes da Companhia Nacional de Navegação em direcção a Angola, Moçambique e Guiné...

Felizmente, Abril, deu-nos muito mais que a Liberdade, até nos deu o tal livre pensamento, que muitos não gostam de exercitar, vá-se lá saber porquê...

O óleo é de Mark Okrassa.

segunda-feira, abril 14, 2014

"Recebeste Cravos"


Vou publicar mais uma das minhas fotos da exposição, "Cravos da Liberdade"...

Recebeste Cravos

RECEBESTE CRAVOS
na quase caixa do correio
do teu portão azul que dança
de braço dado com a amargura e o vento
que só muito raramente te oferece
uma nesga de esperança...

domingo, abril 13, 2014

A Mensagem Artística e o Olhar


Todos nós sabemos que a Arte tem muito que se lhe diga (cada vez mais...).

E agora que caminho para a idade das "dúvidas", sinto que qualquer obra de arte, deve quer ser mais do que aquilo que mostra, deve querer suscitar dúvidas, incertezas, levantar questões a quem a olha.

Não basta colorir o nosso olhar (embora seja muito importante este gostar...), captando a beleza que nos rodeia.

Não vou tão longe como algumas artistas consagrados, que defendem que as obras que oferecem mais resistência à  sua interpretação e compreensão, são as melhores.

Há muitas obras que no meu ponto de vista nem sequer merecem qualquer interpretação (tenho visto muitas nos Museus de Arte Contemporânea...). Continuo a pensar que não basta fazer um borrão de tinta e depois defender, que, embora não seja nada, pode ser tudo. Depende sempre da lata do artista e também da imaginação (ou não) de quem a olha...

Agora já me perguntam menos, mas houve uma altura que me perguntavam qual era a máquina fotográfica que usava, dizia que várias, mas todas normais, nada de "ferraris". Dizia-lhes sempre que a ferramenta é sempre secundária, se não existir algum engenho...

Acho óptimo que todas as pessoas escrevam, que todas as pessoas pintem, que todas as pessoas fotografam. Mas acho ainda mais importante que percebam que é a Arte é outra coisa, é quase um "chamamento", ninguém é isto apenas porque quer...

O talento não se fabrica, nasce connosco. Pode sim (e deve), ser desenvolvido, o que nem sempre acontece, principalmente no nosso país, onde ainda se acredita demasiado na sorte.

É também por isso que são poucos os que chegam ao "Olimpo"...

O óleo é de Josep Enrique Balaguer.

sábado, abril 12, 2014

O Meu "Capitão de Abril"


Publico mais uma fotografia da minha exposição, "Cravos da Liberdade - fotografias com palavras", com a minha homenagem a todos os Capitães de Abril, embora este poema seja todo ele dedicado ao Capitão Salgueiro Maia.

Capitão de Abril

Olho para a tua fotografia,
vejo o verdadeiro homem da Revolução, 
aquele que deu o peito às balas
que quase por teimosia,
ficaram presas no "canhão"...

Olho para a tua fotografia
já com 40 anos de história
e vejo um homem inteiro, nada servil,
que apenas quis ficar na nossa memória
como CAPITÃO DE ABRIL.

sexta-feira, abril 11, 2014

Os Meus "Cravos da Liberdade"


Amanhã inauguro uma exposição de fotografia em Almada (Espaço Doces da Mimi, rua da Liberdade, nº 20 A) que olha para o 25 de Abri de 1974 e também para outras coisas que se intrometem com a nossa Liberdade.
Vou publicar algumas das fotos desta mostra aqui e também no "Casario do Ginjal".

A exposição chama-se "Cravos da Liberdade - fotografias com palavras", ou seja, as imagens são ilustradas pelas minhas palavras, com algum "açúcar" poético... 
Também têm outra particularidade, aparecem cravos em todas elas...


Vou começar por vos mostrar uma fotografia, que tem o meu filho como figurante e que pensei nela, graças à peça de teatro (Turismo Infinito) que está em cena no Teatro Municipal Joaquim Benite", em Almada.

Escrevi uma espécie de poema a que dei o título, "Abril Floria":

Fazias as malas, 
enquanto lá fora ABRIL FLORIA.
Sabias que não havia
lugar para ti neste país
onde se continua a fingir
que se vive em democracia...

quinta-feira, abril 10, 2014

As Casas com Muitas Pessoas


Eu sei que já não há casas com muitas pessoas, como existiram até aos anos setenta do século passado (sei que muitos filhos estão a voltar à casa dos país, mas estas casas normalmente são pequenas, são apartamentos...).

A liberdade e a democracia não só melhoraram as condições de vida das pessoas, como também retiraram muito do poder maternal ou paternal que existiu até aí.

Quando alguém nos diz que uma mulher para sair do país, tinha de ter autorização do marido, explica bem em que tipo de sociedade vivíamos antes de Abril... 

Até as tias solteironas, começaram a viver sozinhas, longe dos olhares e do tal poder castrador dos pais e irmãos.

Só as grandes famílias (não só em número, mas também em fortuna...) é que conseguiram manter este  estatuto familiar, até por muitas viverem em palacetes com mais de uma dezena de divisões, onde os habitantes até se podem dar ao luxo de não se cruzar com os familiares indesejáveis...

Tudo isto porque entrei num palacete, agora desabitado, mas com tantas marcas de gente...

O óleo é de David Martashvili.

terça-feira, abril 08, 2014

As Palavras da Alexandra Sobre este Lugar chamado Portugal


A jornalista e escritora Alexandra Lucas Coelho recebeu nesta segunda-feira o prémio APE pelo romance, E a Noite Roda. O discurso que fez, para o qual olha, olhos nos olhos, para o actual poder político, merece ser lido, pois retrata muito bem este país e estes governantes miseráveis.

[...]
«Estou a voltar a Portugal 40 anos depois do 25 de Abril, do fim da guerra infame, do ridículo império. Já é mau um governo achar que o país é seu, quanto mais que os países dos outros são seus. Todos os impérios são ridículos na medida em que a ilusão de dominar outro é sempre ridícula, antes de se tornar progressivamente criminosa.
Entre as razões porque quis morar no Brasil houve isso: querer experimentar a herança do colonialismo português depois de ter passado tantos anos a cobrir as heranças do colonialismo dos outros, otomanos, ingleses, franceses, espanhóis ou russos.
E volto para morar no Alentejo, com a alegria de daqui a nada serem os 40 anos da mais bela revolução do meu século XX, e do Alentejo ter sido uma espécie de terra em transe dessa revolução, impossível como todas.
Este prémio é tradicionalmente entregue pelo Presidente da República, cargo agora ocupado por um político, Cavaco Silva, que há 30 anos representa tudo o que associo mais ao salazarismo do que ao 25 de Abril, a começar por essa vil tristeza dos obedientes que dentro de si recalcam um império perdido.
E fogem ao cara-cara, mantêm-se pela calada. Nada estranho, pois, que este presidente se faça representar na entrega de um prémio literário. Este mundo não é do seu reino. Estamos no mesmo país, mas o meu país não é o seu país. No país que tenho na cabeça não se anda com a cabeça entre as orelhas, “e cá vamos indo, se deus quiser”.»
 [...]

Vale a pena ler o discurso integral da Alexandra.

segunda-feira, abril 07, 2014

Abril Também é Verão


Abril é tudo, 
e Revolução até rima com Verão...

Talvez amanhã aparecem mais nuvens. Talvez.
Quem sabe.

Mas hoje, sete de Abril, é Verão.
Podemos deixar a roupa menos leve, pendurada.
Podemos mostrar os braços, as pernas, 
com ou sem tatuagens, com ou sem marcas, 
porque hoje é Abril.

Gosto de Abril porque ele  é assim,
quer ser tudo e mais alguma coisa...

O óleo é de Arnold Desmarais.

domingo, abril 06, 2014

A Lisboa Bairrista


A modernidade das cidades, pequenas e grandes, quase que roubou a identidade bairrista (e até alguma rivalidade, que alimentava o associativismo...).

Lisboa, apesar do seu ar moderno e cosmopolita, conseguiu manter de uma forma natural o seu outro lado - não menos atractivo -, antigo e castiço, que acaba por ser um dos seus cartões de visita mais apreciados para quem vem de fora.

Alfama continua a ser um dos lugares mais inspiradores para quem se perde pelas suas ruelas, até chegar ao Castelo, um dos muitos miradouros da Cidade Branca.

Uma viagem de eléctrico pelas suas colinas, é obrigatória (assim como de cacilheiro...), até por terem um preço módico...

Mas esta Lisboa  não é só Alfama ou o  Bairro Alto, é também a Mouraria, a Madragoa, a Bica, São Bento, a Graça, lugares que nos prendem muito mais que o olhar.

E como eu gosto de me "perder" por esta Lisboa sinuosa, cheia de curvas, de altos e baixos...

O óleo é de Alan Albegov.

sexta-feira, abril 04, 2014

«Somos sempre escravos de qualquer coisa.»


Provavelmente todos nos devíamos incomodar com o tempo que perdemos agarrados ao computador ou ao tablet, embora seja difícil resistir a todas estas "lapas" que se agarram às nossas fragilidades.

Como passo algumas horas durante o dia em frente a esta maquineta, tento estar mais disponível à noite para a família (embora falhe muitas vezes, ontem por exemplo não joguei às cartas com a minha filha...).

Embora a família nem sempre esteja disponível para mim. Também é mais fácil para eles andar a "vagabundear" pelo faicebuque ou a jogar, que conversar...

E eu faço outras coisas. Como não tenho faicebuque nem grande jeito (nem vontade) para jogar,fico com mais tempo para mim (é quase egoísmo...), para as minhas prosas e para as minhas leituras...

Sinto que dificilmente nos iremos libertar de todas estas coisas que nos roubam tempo para tudo, até para pensar. Conversamos muito menos, quase que não lemos jornais de papel. Enfim, estamos quase no ponto certo para uma certa gente que vive pendurada no poder e gosta de nos ver "anestesiados".

Tenho de dar razão à Rita, quando diz: «Mas nestes tempos, quem é que quer perder tempo a pensar?»

Mas o que deixou mais inquieto foi a frase forte do Carlos, quando exclamou: «Somos sempre escravos de qualquer coisa. Fingimos gostar de liberdade, mas o que gostamos mesmo é de ser escravizados. E nem estou a falar dos "patrões" que nos exploram até ao tutano e depois não conseguem passar sem alguns jogos esquisitos, onde além de andarem de gatas, presos com trelas, ainda pedem para ser chicoteados e outras coisas que não digo.»

Olhámos uns para os outros e desatámos a rir, especialmente com esta última parte...

Embora não concordasse com a parte de gostarmos mais de escravidão que de liberdade, fiquei a pensar...

O óleo é de Paula Rego.

quarta-feira, abril 02, 2014

Quando Ouvir, Sorrir e Servir, pode ser uma Inspiração Cinematográfica


Há profissões que são mais exigentes que outras, na arte de servir o outro.

O Ruca que o diga, agora que está ao balcão da "casa de pasto" da dona Celeste e do Tio Alfredo (não compreendo muito bem este tratamento diferenciado, mas o Alfredo tem cara de tudo menos de "dom" qualquer coisa). Tem aprendido a ouvir (ou a fingir...), a sorrir (mesmo que seja forçado) e a servir (sem honra ou glória...), porque neste dias que correm não há cliente que não tenha razão...

Os barbeiros e os taxistas devem ser dos poucos que ainda se dão ao luxo de ter mais tempo de antena que os clientes, mudando de assunto conforme as suas conveniências, não se incomodando nada em desconversar com quem está "preso" no banco da barbearia ou do carro. 

Apesar de todos estes imponderáveis, o Ruca prefere estar atrás do balcão, sempre vai escutando este e aquele. Gosta especialmente daqueles que gostam de se desviar da verdade, porque davam boas personagens para qualquer filme, daqueles que ele não irá realizar...

O óleo é de Douglas Gray.

terça-feira, abril 01, 2014

Abril, Entre o Sonho e o Pesadelo


Neste primeiro dia de Abril, não é só a chuva que nos incomoda.

A dança entre a ficção e a realidade, protagonizada pelos políticos, que continuam a fazer o mais fácil, empobrecer os reformados e os funcionários públicos.

Acho que eles sentem que estão no caminho certo, agora que se sabe que os pobres estão mais pobres e os ricos mais ricos...

Nós estamos de tal forma adormecidos, que até caímos na cantiga de que os 40 anos de Abril, são mais para banalizar que para recordar...

Nada disso faz com que eu deixe de gostar de Abril. Nada disso faz com que deixe de sonhar.

O óleo é de António Sgarbossa.