sábado, novembro 29, 2014

Teimosos, Estetas, Idealistas, etc


Há cada vez menos lugares onde é possível encontrar gente teimosa, que não desiste dos seus ideais nem entra em "época de saldos". 

Apesar  da Cultura continuar a ser um campo aberto para os "subsidiodependentes" (as "capelinhas" foram apenas reduzidas...), habituados ao "encosto", do Estado ou do Poder Local, há quem resista às tentações e se mantenha à margem do "sistema", pelo menos em termos criativos. Mas são cada vez menos...

O curioso é saber que alguns, mesmo vivendo com dificuldades económicas, não desistem.

Há por ali muito idealismo, o querer seguir o seu próprio caminho, por muitas modas e notas que lhe surjam pela frente. Outros atingiram um nível tão elevado, que são, obrigatoriamente, respeitados.

Exemplos? Luís Miguel Cintra e Beatriz Batarda (teatro e cinema); Vitor Silva Tavares e Herberto Helder (literatura); Pedro Costa e Teresa Vilaverde (cinema); Pedro Ayres Magalhães e Carlos do Carmo (música).

O óleo é de Luiz de Souza.

sexta-feira, novembro 28, 2014

A Liberdade de Ser Livre


Não é preciso ficarmos prisioneiros, para percebermos o valor da liberdade.

Até porque há homens encarcerados que são mais livres que muitos que vivem por aí, aparentemente sem qualquer barreira, pelo menos física.

Embora a liberdade não seja um estado de espírito, sermos livres no pensamento (não foi por acaso que o poeta o escreveu...) é sempre uma ajuda boa, assim como a forma como conseguimos respeitar o outro, mesmo quando ele pensa coisas ao contrário de nós.

Sou de esquerda e tenho alguns amigos de direita. Sem qualquer conflito e com bastante humor à mistura. Até porque a dignidade e o carácter de cada um de nós não se deve medir pelas opções ideológicas, mas sim pela nossa prática do dia a dia.

Tudo isto porque hoje uma amiga especial ofereceu-me um poema, exactamente com o titulo, "A Liberdade de Ser Livre".

Acho que sou cada vez mais libertário. Provavelmente por não ter medo de utopias nem de sonhos...

O óleo é de Forrest Rodts.

quarta-feira, novembro 26, 2014

Olhar os Jovens com Olhos de Ver


Estava sentado na paragem do Metro à espera da minha filha e acabei por observar com mais acuidade a malta que ia saindo da Escola Secundária das imediações e se juntava por ali, à espera do trem eléctrico que os levava para perto das suas casas.

Apesar da todas as criticas que se fazem hoje  à juventude, só com o olhar preso à sua imagem exterior, senti que eu e a minha geração com a idade deles (na segunda metade dos anos setenta...) éramos uns foleiros, na "arte" de vestir e de pentear.

Bem sei que não existiam tantos modelos. E os que haviam (principalmente os músicos...) também se vestiam mal à brava.

Há também o hábito de dizer que esta rapaziada só comunica através dos telemóveis, mas parece-me que é só às vezes. Tanto elas como eles, falam com mais descontracção que nós. E olhos nos olhos.

Nem tudo é o que parece, mas às vezes é difícil resistir à tentação de fazer juízos errados...

O óleo é de Libit Jones.

terça-feira, novembro 25, 2014

25 de Novembro de 2014


Às vezes pergunto a mim próprio, que país seria o nosso, se os vencedores do 25 de Novembro têm sido os revolucionários de esquerda que estavam no lado de lá da barricada os outros, os revolucionários de esquerda.

Provavelmente teria sido derramado sangue e o país tinha sido destruído, economicamente, numa primeira fase, para depois se reconstruir.

Mas o mais grave, é que mais tarde ou mais cedo, acabaríamos por voltar a viver em ditadura, tal como acontecera em 1926, com o "povo" a não querer ouvir falar na palavra Esquerda, tal como acontecera na Primeira República com os democratas republicanos...
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Ou seja, esta gente que nos (des) governa, não tinha esperado quarenta anos para destruir os alicerces de um país que já foi democrático e teve preocupações sociais. provavelmente dez teriam chegado.

Já o Salazar, "grande amigo da democracia" dizia para se criarem coelhos...

segunda-feira, novembro 24, 2014

Obras em Casa...


Quando temos de fazer obras em casa, quase nunca sonhamos onde nos estamos a meter. Mesmo que não seja a primeira vez...

O pó que se aloja em todo o lado, por muitos plásticos que se usem para tapar as coisas...

O ruído ensurdecedor (que apesar de tudo, incomoda sempre mais os vizinhos) que não dá paz nas redondezas. Os pássaros que de vez enquanto poisam à janela emigraram para outra rua, com toda a certeza. Assim como os gatos da vizinhança...

E o pior de tudo é deixarmos de ter a nossa casa...

Felizmente a minha sogra mora perto e dá-nos guarida, caso contrário era um problema ainda maior.

E tudo por causa de um maldito cano...

O óleo é de Alan Albegov.

sábado, novembro 22, 2014

Uma Vergonha!


Independentemente de José Sócrates ser culpado, ou não, a sua detenção é uma vergonha para a justiça portuguesa.

Como é que é possível deter um ex-primeiro ministro no aeroporto, quando ele chega de viagem, por suspeita de fraude e branqueamento de capitais, quando dezenas de pessoas envolvidas nos dois maiores escândalos financeiros do país (BPN e BES), autênticos roubos aos portugueses, e que todos nós estamos a pagar (ou iremos pagar...), continuam em liberdade?

E nem vou falar dos jornalistas presentes no aeroporto (previamente informados...), para testemunharem esta tentativa de humilhação a um ex-governante português.

Tudo isto só se explica pelo ódio que ainda permanece bem vivo a este político socialista...

Estou à vontade para falar disto tudo porque nunca votei em Sócrates. E como não sou "carneiro", normalmente quando vejo toda a gente a dizer mal de alguém, tenho tendência para separar as águas e não seguir o "rebanho".

Somos mesmo um país especial, onde os ladrões de bicicletas são todos presos...

sexta-feira, novembro 21, 2014

O Inverno Esteve de Folga de Manhã


Depois de dois dias cheios de água, o Inverno resolveu dar-nos tréguas. O Sol quase que ofereceu um dia quase primaveril, só as folhas espalhadas pelo chão lembravam que é Outono...

Mas quem passou pelo mar (ia dizer um qualquer, mas os mares gostam de ser diferentes...), viu demasiadas gaivotas em Terra, para perceber que amanhã, o mais provável é voltarmos ao chapéu de chuva, ao kispo e à gabardine...

Mas foi bom estar ali, por alguns minutos, a ouvir a conversa do mar com os peixes.

O óleo é de Forrest Rodt.

quinta-feira, novembro 20, 2014

Os Outros São o Nosso Espelho


Provavelmente haverá algum ditado sobre as palavras que escolhi como título deste texto.

Quem gosta de observar e também pratica a autocrítica, de vez enquanto sente-se quase envergonhado com as atitudes dos outros.

Aconteceu-me hoje isso. E com bastante  paciência limitei-me mesmo só a observar, por não ter confiança com a pessoa que queria ter a verdade toda sobre um assunto, algo que penso não existir. Como sou teimoso, olhei-me ao espelho a ver a figura que aquele "dono da verdade" estava a fazer. E ainda por cima, saltava de disparate em disparate...

Acho que foi isso que me fez sorrir por dentro e manter-me em silêncio. E no meio fui pensando em várias coisas, ao mesmo tempo que falava para dentro de mim: «vê lá se nunca te cansas de aprender e de ouvir.»

Não há qualquer dúvida que os outros são o nosso espelho, ainda que por vezes possa parecer aquele dos exageros da saudosa Feira Popular.

O óleo é de Leopoldo Sanchez.

quarta-feira, novembro 19, 2014

A Sociedade Actual Dentro dos Livros


Continuo a volta de uma história sulista, cheio de personagens (talvez estejam ali meia dúzia de romances...). 

Hoje, ainda antes da nove da manhã, comecei a escrever sobre a modernidade, por ouvir uma notícia sobre o tempo que os nossos filhos passam à frente do computador, fechados no quarto. Inventei logo uma personagem (ainda mais desactualizada que eu no mundo das "virtualidades"...) e escrevi isto, sem saber em que capítulo ficará.

«Não sou a melhor pessoa para qualificar o que é moderno ou não. Acho mesmo que não sei muito sobre o mundo moderno, por não o frequentar com assiduidade. Gostar das coisas que vulgarmente se chamam antigas, é capaz de ser um obstáculo.

Mas não é preciso ser muito inteligente para sentir que a pessoa perdeu importância na sociedade, que a “máquina” – cada vez com mais manhas - está a vencer-nos em toda a linha.

Dizem que são os adolescentes que estão prisioneiros da virtualidade, mas acho que não. Somos quase todos nós, mais os que se deixam hipnotizar pelos muitos jogos que nos oferecem e também por podermos mostrar ao mundo o que não somos, mas gostaríamos de ser. Acho que o faicebuque alimenta-se muito desses sonhos e frustrações. Claro que são palavras de quem não “passeia” por esse novo mundo, um gajo antiquado e talvez desatualizado e com medo de deixar de ter gente com quem conversar.

Além disso, passei muitas horas fechado no quarto durante a adolescência a ler livros, por isso...»

O óleo é de Liu Ye.

terça-feira, novembro 18, 2014

«Já percebi, os sonhos vivem num mundo à parte.»


Uma manhã destas a minha filha quis falar dos sonhos, esses "pilantras" que se escondem, mal ela abre os olhos, debaixo do travesseiro, do colchão ou noutro lugar qualquer.

Quase me me limitei a sorrir, por saber que os sonhos são um mistério para todos nós, independentemente da idade que possamos ter. E ainda bem que é assim, pois é sinal que ainda permanece alguma magia no ar...

Claro que depois fui obrigado a jogar ao seu jogo de palavras, ao ponto de chamarmos medrosos aos sonhos, que nos dão a sensação de fugir da realidade a sete pés, como se tivessem medo da "vidinha", essa mesmo, que fingimos que recomeça todas as manhãs, mas apenas se repete...

Até que ela resolveu acabar com a conversa, com esta frase lapidar: «já percebi, os sonhos vivem num mundo à parte.»

Acho que sim, ninguém melhor que ela para simplificar uma conversa que ameaçava complicar-se.

O óleo é de Henrik Uldalen.

segunda-feira, novembro 17, 2014

A Magia da Palavra Nessa Coisa Boa que é a Conversa


Não costumo contar as pessoas que realmente considero amigas, mas se for rigoroso, sei que as duas mãos chegam para contá-las.

Depois há as outras, por quem sentimos uma empatia especial e que nos podem levar a tantos lugares, por nos sentirmos bem na sua companhia.

O mais curioso nisto é tudo, é percebermos que quando atingimos um certo nível de intimidade e conhecimento do outro, podemos estar anos sem nos encontrarmos, que quando nos voltamos a ver é quase uma festa. E temos sempre tanto para contar, que parece que um dia é insuficiente, quanto mais uma hora ou duas...

Sentir que as conversas com algumas pessoas são quase inesgotáveis, é das melhores coisas que podem acontecer a quem gosta de trocar impressões sobre tudo e sobre nada. 

Viver é seguramente isto. E não andarmos por aí, sós, silenciosos, com o olhar quase colado ao chão ou ao telemóvel.

O óleo é de Emilia Wilk.

sábado, novembro 15, 2014

«Pai, quero aprender a tocar violino.»


A minha filha, com os seus dez anos, está numa fase, em que gosta de experimentar coisas (ou pelo menos dizer), talvez para saber se é isso que gosta ou não. A sua última  "saída" foi dizer que queria aprender a tocar violino.

Como as suas ideias ultimamente não estão muito "fixas", mantemos-nos vigilantes, a ver se este desejo volta a surgir, com mais insistência, ou se foi apenas mais uma daquelas ideias transportadas da escola, porque uma colega anda a aprender este instrumento de cordas...

O óleo é de César Prada.

quinta-feira, novembro 13, 2014

O Meu Novo Livro


No próximo sábado, dia 15 de Novembro, vai ser lançado o meu novo livro, "Sport Almada e Figueirinhas, 50 anos de Força de Vontade", que tenta retratar a história deste clube popular de Cacilhas, que comemora em 2014 o seu cinquentenário.

Foi o desafio mais complicado que enfrentei, pela ausência de dados históricos nos arquivos do Clube (as pessoas nem sempre têm noção da importância dos documentos - por muito insignificantes que possam parecer - , como as simples fichas de inscrição dos associados ou da participação em provas desportivas...), que poderiam aclarar algumas dúvidas, como a identidade de todos os sócios fundadores...

Perante estes dilemas, digo que é o livro possível. 

Mesmo assim espero que os "Figueirinhas" se identifiquem com a obra, que será apresentada no sábado pelo escritor almadense, António Policarpo, a partir das 15 horas, na sede do Sport Almada e Figueirinhas.

terça-feira, novembro 11, 2014

Até a Chuva Pode ser Uma Diversão


Quando ainda habitamos no mundo das crianças, a vida é quase sempre uma diversão.

Até mesmo os dias chuvosos podem ser motivo para uma série de disparates, que nos obrigam a repreender os nossos filhos, mesmo que nos venha a memória o mesmo género de parvoeiras praticados na meninice.

Digo isto porque no regresso a casa, a minha filhota conseguiu meter as botas em mais de meia dúzia de poças de água. E de certeza que não foi apenas distracção...

O fascínio pela água é uma coisa terrível, até mesmo para nós, "crianças grandes", neste dias chuvosos que fingimos odiar...

A fotografia é de Bill Perlmutter.

segunda-feira, novembro 10, 2014

Um Almoço Especial


Hoje fui convidado para um almoço especial, onde se comemorou o 101 aniversário de Álvaro Cunhal.

Mas tão ou mais importante que a efeméride foi sentir que a solidariedade e a amizade não são palavras vãs e continuam a ser praticadas por alguns verdadeiros comunistas de Almada, que já tinham feito a sua escolha política algum tempo antes de Abril...

O desenho do João Paiva, feito propositadamente para a efeméride, e que ficou afixado numa das paredes da "Casa da Amizade", honra a memória de Álvaro.

domingo, novembro 09, 2014

Os Livros Precisam que Falem por Eles?


Eu sei que esta pergunta tem uma resposta tão óbvia, que não devia ser feita. 

Só parece não ser tão óbvia para um autor, Herberto Helder, o único português que se esconde atrás dos livros, dando-se ao luxo de não dar uma única entrevista ou participar no cerimonial de respectivo lançamento.

Parece. Porque o Herberto, ao ser o único que tem esta atitude, acaba por ter mais publicidade que a maior parte dos companheiros de ofício, que se fartam de fazer telefonemas e oferecer livros aos críticos das estrelinhas, para aparecerem numa tira de jornal ou nos suplementos culturais.

Tudo graças à sua editora (explora cada vez melhor o "filão", ao ponto de publicitar que a obra já está esgotada, antes de ser colocada à venda...), que deve esfregar as mãos de contente com este seu apego "capitalista" ao mundo dos livros.

Claro que os livros precisam de ser apresentados, nem que seja à mesa de café. E também na blogosfera, claro. Depois são eles que resolvem as questões que estão pendentes, com os leitores, à margem dos autores...

O óleo é de César Prada.

sábado, novembro 08, 2014

Estar Dentro e Fora das Entrevistas


Começo a ler a entrevista do António Lobo Antunes (publicada ontem no "Ipsilon") e gosto daquele início. Até me apetece fazer-lhe uma série de perguntas, deslocadas da literatura, falar com ele sobre outras coisas. 

Mas depois quando o António começa com as "merdas dele", sinto a magia a diluir-se. Fico com a sensação que tem mais lugares comuns na cabeça que nos livros. 

É nesta altura que tento saber há quanto tempo não leio um livro da sua autoria. Antes de fazer contas penso que foi há meia dúzia de anos, mas a "matemática" diz-me foi há muito mais. O último livro que li dele foi "O Manual dos Inquisidores", editado em 1996 (não o li logo, mas de certeza que ainda foi leitura do século XX...). Ou seja, há uns quinze anos que não leio um livro dele (os livros de crónicas não contam...).

O último que tenho dele cá em casa é, "Eu hei-de Amar uma Pedra", de 2004, que espera na estante por uma oportunidade...

Penso mesmo que quem escreve as crónicas na "Visão" não é o escritor que escreve livros e dá entrevistas, que tem sempre um pé na lua e que por muito que se esconda na sombra, está mesmo convencido que é o melhor escritor português.

Quando ele diz que escreve porque não sabe dançar como o Fred Astaire, é apenas um bom título.

Claro que eu devia passar ao lado das suas contradições, por sermos todos mais que uma coisa ao mesmo tempo. Mas não me apetece, pelo menos hoje.

sexta-feira, novembro 07, 2014

Atrasos de Vida, Distracções e Outras Coisas


Uma das coisas que me  fazia confusão nas paragens de metro de Almada era a forma como funcionavam os relógios das duas linhas, quase sempre desencontrados, apesar de apenas distarem de pouco mais de uma dezena de metros um do outro.

Pensei várias vezes em escrever sobre isso,  pela falta de respeito com os utentes deste transporte, com a oferta de horas para todos os gostos, menos as certas. Era como se viajar para Sul fosse diferente de viajar para Norte...

Isto ainda é mais parvo se pensarmos que estamos na era do digital.

Quando finalmente tirei uma fotografia, houve alguém que resolveu (parece que me ouviu) acertar os relógios, entre linhas...

Hoje as coisas já não estão tão certas, mas pelo menos não existem diferenças de dez minutos e mais, como se verificavam noutros tempos...

quinta-feira, novembro 06, 2014

Às Vezes Amor com Amor se Paga


Ninguém gosta de justificar opções estranhas, embora existam situações em que não há nada para justificar.

Num filme ou numa peça de teatro o realizador ou o encenador escolhe as pessoas com quem quer trabalhar, não só pelo talento, mas também pelas afinidades que existem, pelo que já viveram juntos e pelo que conhecem um do outro.

Todos estranharam que o realizador fosse escolher um actor que estava quase esquecido, uns diziam  por vontade própria outros culpavam o mercado. Mas ele apenas vivia o drama do desemprego já de média duração, algo mais comum do que se poderia pensar. O produtor não achou piada à gracinha, até por já ter na sua cabeça dois ou três actores para aquele papel. Mas o realizador foi inflexível, jogou o tudo ou nada. E ganhou, pelo menos desta vez.

O filme acabou por correr bem e o actor voltou à ribalta (o que quer que isso seja...), voltou a ter trabalho, que era o mais importante em alturas em que a crise ultrapassa tudo, até o bom senso e a normalidade das coisas.

O realizador nunca justificou esta escolha, pelo menos nas revistas. Mas quem o conhecia sabia que era um gajo antigo, daqueles que têm orgulho em ter memória. E nunca esqueceu, que dez anos antes, quando quase não tinha dinheiro para pagar a actores para um dos seus filmes, aquele rapaz aceitou trabalhar com ele, recebendo como pagamento pouco mais que umas sandes e o quarto da residencial, partilhado, durante mais de um mês. 

Ele sabia bem que era nas dificuldades que se conheciam as pessoas...

E se havia coisa que se orgulhava de ser, era um bem agradecido. Quem lhe fazia bem, sabia que podia contar sempre com ele.

quarta-feira, novembro 05, 2014

Somos um País de Ditadores e de Gente à Procura do Pai e da Mãe, em Todo o Lado


Nunca lhe disseram que a liberdade era outra coisa. Ou se disseram, ele fingiu que não ouviu.

O Carlos quando era mais inocente pensava que quem tinha tido a experiência de viver em ditadura, gostava mais de liberdade. Quando cresceu mais de um palmo percebeu que estava errado e quem costumava dar "vivas" a Salazar era gente com idade suficiente para ter juízo.

É por isso que aquele Zézinho não o espanta. Ele é mais um, com alma de "ditador", que apesar de já estar cheio de cabelos brancos, continua a insistir com o "mundo", para girar à sua volta. Embora este lhe troque as voltas, finge que sem ele o "mundo" acaba já amanhã...

E pior ainda, insiste com os outros, para o seguirem, que ele é que está certo. Surpresa ou não, quase todos se calam, dizem, para evitar problemas. E o ditador vai inchando e desfigurando tudo o que o cerca. Pena não ser um sapo. Sempre podia acabar por rebentar...

Embora sejamos doutro "reino", custa-nos encarar esta triste realidade. Mas não seremos nós a partir um dos "pés" da cadeira do Zézinho. 

Sabemos que não gostamos de ditadores e que ele não se senta à nossa mesa (nem mesmo para a célebre caldeirada...). Mas ficamos tristes, por sentirmos que há tanta gente à procura de um pai e de uma mãe, por todo o lado.

O Carlos insiste que o nosso país é melhor para os ditadores que África ou América Latina, que aqui sim, podem aspirar à "eternidade"...

Desta vez já nem sequer conseguimos sorrir. Precisamos muito de uma anedota do Gui, ausente com justificação no país da Dilma.

terça-feira, novembro 04, 2014

Um Adeus Definitivo


Os dois caminhavam lado  lado, mas soltos, sem um toque de mão sequer.

Ambos sabiam o que os esperava...

Ela não queria metades, nunca quis. Foi por isso que disse: «Deixas a tua mulher e vens viver comigo?»

A resposta foi um daqueles silêncios masculinos, que dizem quase tudo, sem palavras.

Ela então decidiu acabar tudo: «Então deixa-me em paz e não me voltes a procurar.»

E virou-lhe costas.

Ele ficou ali, em silêncio, a vê-la fugir da sua vida.

Talvez fosse cobarde, não quisesse escolher. Ou então a família era mais importante que o amor...

O óleo é de Óscar Ulpiano Garcia.

segunda-feira, novembro 03, 2014

Viver... ou Resumir a Vida...


Não sei se é apenas a "velocidade" com que vivemos (ou nos obrigam a viver...), que faz com que cada vez mais se abrevie a vida.

Provavelmente não. Há um interesse crescente, ainda que velado, na superficialidade, na nossa perda de capacidade para analisarmos tudo o que nos rodeia com mais profundidade.

Não nos adaptámos (e talvez nunca o consigamos na totalidade) a este ritmo voraz, que entre outras coisas, aumenta as nossas dependências...

A linguagem dos tecnocratas ( já não são uma seita, são uma religião...) também não ajuda muito, uma boa parte deles limita-se a falar para dentro das suas "capelas", inventando palavras com pouco significado para o cidadão comum.

A informação também mudou e passou a ser partilhada em resumos, facilitando a sua manipulação. 

Mesmo as mensagens que trocamos na blogosfera e no "facebook", são cada vez mais curtas e superficiais.

Talvez estejamos a fazer, cada vez mais, resumos de tudo, até da vida...

O óleo é de Karin Jurick.

domingo, novembro 02, 2014

Expressões Quase Tristes


O mundo está cheio de crianças que são obrigadas a crescer rápido demais, sem tempo e espaço para brincar ou receberem os mimos que deviam ter direito (e que as ajudam a ser mais amoráveis pela vida fora...).

Nós que colocamos os nossos filhos quase numa redoma, fingimos desconhecer as histórias de crianças que desde cedo têm de tomar conta dos irmãos (como faziam os nossos, pais e  avós, quando as famílias eram grandes...). De vez enquanto - talvez mais... - aparece num jornal (quase sempre no mesmo) a notícia de um acidente, em que os filhos estavam sozinhos em casa, ao cuidado da irmã ou irmão mais velho. Muitas vezes acabam por ser acidentes fatais, que vão marcar ainda mais as crianças, que estavam a fazer de pai e de mãe...

Depois esta gente cresce e noto que nunca perde as marcas que ficam no rosto (as da alma são menos visíveis...).  Há um peso, uma ausência de expressões e rugas ligadas ao sorriso, que faz que continuem pela vida fora, "velhas" antes de tempo...

São expressões quase tristes, de quem nunca teve grandes motivos para sorrir...

O desenho é de Florian Nicolle.