quinta-feira, maio 30, 2013

O que Descobrimos no Outro Lado do Espelho



Isto de sermos dotados de consciência, é coisa que pode pesar chumbo, mesmo aos  imitadores do cardeal Maquiavel.

Como diria o meu velho amigo Júlio Verne, das melhores coisas que a vida nos dá, é dormirmos a noite inteirinha e no outro dia de manhã, depois de acordarmos, ao olharmos o espelho, não darmos de caras com um "filho da puta".

Algo que os gaspares, os cavacos, os passos, os sócrates, os durões, os portas, etc, não conseguem fazer, mesmo que rezem uns quantos "pais nossos" mais umas "avé marias". 

Talvez evitem sim, olhar os espelhos da "vida"...

O óleo é de Nicola Simbari.

quarta-feira, maio 29, 2013

Mais um Profeta da Desgraça


Como se não nos chegasse a crise e a tristeza dos "seis milhões" de benfiquistas, apareceu agora um "chico esperto", francês - com a ambição de se tornar "adivinho do tempo" -, quase a "decretar" que este ano o Verão só vai chegar em Setembro e Outubro, quando os dias já estão encolhidos.

Não sei se as pessoas irão mudar a data das férias, ou se simplesmente, tomam a decisão falsamente sensata de não irem de "vacanças", pelo menos nos meses do nosso Verão...

O óleo é de Jiri Borsky.

terça-feira, maio 28, 2013

Mia Couto, Prémio Camões


Fiquei bastante satisfeito com a entrega do "Prémio Camões" a Mia Couto, um dos grandes escritores da literatura africana e da língua portuguesa.

Há alguns meses, escrevi assim sobre o Mia: «A literatura é sobretudo invenção, tanto na forma de escrita como na temática. E Mia Couto é óptimo nessas duas tarefas, tendo quase sempre a preocupação de dar voz a quem ainda não a tem, sempre com uma grande preocupação social, especialmente em relação às mulheres, que continuam a ser  figuras secundárias no dia a dia africano, mas não nos seus livros.»

segunda-feira, maio 27, 2013

O "Palhaço" sem Circo e sem Graça


Se os Palhaços não queriam ter a companhia de Alberto João Jardim, muito menos querem a de Cavaco Silva, nem mesmo para fazer o papel do membro da trupe que leva bofetadas e que está sempre a cair no chão, com as rasteiras que lhe pregam ou simplesmente pela sua falta de jeito de andar com sapatos de biqueira larga.

Ele faz-me pensar nas pessoas que querem ser isto e aquilo, mesmo sem terem qualquer vocação ou jeito para a função. Um actor ou um cantor, pode andar por aí uns tempos, no inicio as pessoas acham graça a falta de talento e até o transformam em "bobo da corte", coisa que eles nem se chateiam, desde que continuem a ter um palco e a ganhar umas "lecas".

Mas ser Chefe de Estado é outra coisa, é (ou devia ser...) o exemplo da nação. E nem me estou a lembrar do facto de ele mastigar de boca aberta ou estar numa tribuna do Estádio Nacional e nem sequer se dar ao respeito, não olhando nem cumprimentando os jogadores sem pátria, do Benfica (que por muito frustrados que estivessem com a derrota, tinham a obrigação de cumprimentar o presidente do país que os sustenta. Mas talvez eles não gostem de circos e pensassem que o senhor era mesmo aquilo que tem vindo nos jornais...).

- Estou a lembrar-me, sim, da "figurinha" que tem medo de sair do seu palácio e ser apupado, mesmo pelas criancinhas de qualquer escola que precisa de ser inaugurada.
- Estou a lembrar-me, sim, do "cara de pau" que entra mudo e sai calado, fiado no ditado que diz que que os calados vencem sempre, mas que acaba por deixar fugir pelo menos duas palavras: «eu avisei...»
- Estou a lembrar-me, sim, do "espertalhaço" que disse que ainda estava para nascer uma pessoa mais séria que ele, mas que aceitou receber os dividendos das acções acima dos valores de mercado, que tinha no banco dos seus amigos vigaristas e trocou uma vivendazinha por uma vivendazorra, como quem troca "cromos da bola"...

Claro que esta criatura é tudo menos Palhaço. Por muito "bolo rei" que coma, nunca lhes chegará aos calcanhares.

O óleo é de André Martins de Barros.

sábado, maio 25, 2013

Os Vespertinos


Hoje no café falámos sobre esse tempo, já longínquo, em que haviam jornais da tarde.

O meu amigo Manuel disse que uma das coisas que fazia antes de se jantar, era dar uma volta completa pelo jornal. Falou-me do "Diário Popular", da "República" e do "Diário de Lisboa". Lembrei-o também de "A Capital".

Achamos estranho que antes do 25 de Abril existisse mercado e notícias para alimentar quatro vespertinos e que no início do século XXI não existir espaço para um único jornal da tarde.

Não culpámos ninguém. Mais uma vez a "culpa" ía morrer solteira...

Mas claro que se podiam repartir as culpas, pelos patrões, pelos leitores e também pelos jornalistas, para não variar, mas resolvemos culpar o tempo, culpado de tantas mudanças...

O óleo é de Andrew Baines.

sexta-feira, maio 24, 2013

Surpresa ao Telefone


Não sei quanto tempo passara.

Mais que meses, seguramente.

Mas como às vezes sou um homem de apetites, apeteceu-me ouvir a sua voz, saber como estava e e liguei-lhe.

Comecei por fintar a telefonista com um nome quase falso, para não estragar a surpresa. 

Nos primeiros segundos ela estava longe de saber quem era o dono da voz, até que chegou à "Terra" e quase que fez uma festa.

Durante vários minutos pusemos a conversa em dia. Fiquei a saber mais coisas dela que ela de mim, nem sempre boas, porque a vida é isso... e também porque pouca coisa mudou no meu dia a dia, diga-se de passagem.

Esperemos que não seja preciso passar outro ano (ou terão sido dois?) para voltarmos a falar.

O óleo é de Charnine.

quinta-feira, maio 23, 2013

Sentir Sem Agir


Não percebo porque razão sentimos e não agimos.

Sinto que quase tudo nos escapa das mãos, que continuam a transformar-nos em "nada", que somos empurrados para o "vazio", que tanto pode ser um túnel quase infinito como um precipício.

Sei que a tal desigualdade, tão desejada pela meia dúzia de famílias salazarentas, saudosas do tempo em que tinham "escravos", está quase no "ponto". Talvez voltem a ter fábricas disto e daquilo, quintas a perder de vista no Alentejo, e bancos, para especularem e dominarem o país. E depois entretêm-se a espalhar "migalhas", como fizeram durante tantos anos...

Ainda ontem noticiaram que fomos um dos país europeus onde foram vendidos mais carros da chamada "gama alta".

Eu sabia que não podíamos ser bons apenas no "desemprego" e na "pobreza"...

E é por isso que pergunto: o que foi que fizeram de nós, para sentirmos e não agirmos?

O óleo é de Raymond Leech.

terça-feira, maio 21, 2013

As Noites Calmas


Há noites assim, calmas e solitárias.

Parece que está tudo a dormir e que a noite nos pertence, completamente...

Estava ali, sentado, à beira rio, à espera de ti e do cacilheiro que te transportava para a nossa Margem, quase sem pensar em nada, além do Tejo e da Lua.

Foi então que, sem nenhuma razão aparente, lembrei-me que na infância os dias são quase infinitos, temos tempo para fazer tudo. 

O óleo é de Christopher Pratt.

segunda-feira, maio 20, 2013

A Musicalidade da Tua Voz


Foi uma surpresa quando te ouvi cantar, naquele palco improvisado. Não fazia ideia que cantavas.

Era mais uma das muitas coisas que não sabia de ti.

O culpado era eu, por raramente me esforçar para saber muitas coisas dos outros, espero que elas venham ter comigo, de uma forma natural.

Da última vez que estivemos juntos, falámos sobretudo de mim. Querias saber coisas dos livros e fiquei a perder, sem saber quase nada de ti.

Gostei de te ouvir cantar e tive pena de não ter a oportunidade de o sussurrar bem junto a ti,  por causa do barulho e de toda a gente que te rodeava, a guardar-te como se fosses a "estrela" da companhia.

Limitei-me a sorrir à tua piscadela de olho, quanto mais não fosse, por saber mais uma coisa de ti.

O óleo é de Mahshid Aziz Mohseni.

sábado, maio 18, 2013

Hoje é o Dia dos Museus


Hoje é aquele dia em que nos devemos lembrar que existem museus. É só uma vez por ano e não faz doer. Alguns são mesmo uma delicia para os olhos.

E nós temos tantos, dos bons...

O óleo é de Iris Frederix.

sexta-feira, maio 17, 2013

A Televisão é Apenas um Objecto de Decoração


Não estou a pensar seguir a "filosofia" do Nuno e da Anabela, de viverem o dia a dia sem a companhia viciante da caixa que dizem ter mudado o mundo (e mudou mesmo...).

Mas não deixei de pensar no assunto.

O único televisor que têm é dos anos sessenta, ainda da era a preto e branco, utilizada apenas como objecto decorativo da sala (achei curioso ser da mesma marca da primeira televisão dos meus pais, "Ferguson", que provavelmente já não existe...).

Naturalmente falámos disso. Eles disseram-nos que a televisão faz mal porque nos oferece um mundo distorcido, a realidade é sempre ligeiramente diferente (quando não é muito...). Achei piada quando o Nuno disse que tudo aquilo era falso, que todas aquelas pessoas (mesmo os figurantes) se tinham vendido ao espectáculo e entravam com os dois pés em toda aquela "manipulação" humana. 

Imaginação por imaginação prefere a dos filmes e dos livros, é mais lúcida e transparente.
Mas não pensem que se trata de uma família "de outro planeta qualquer", ouvem muita música, rádio, e claro, estão ligados ao mundo pela "net"...

O óleo é de Erik Mattijssen.

quinta-feira, maio 16, 2013

«Paneleiros ainda vá que não vá, agora maricas...»


Não fazia ideia que um dos filhos do velho Amaro fosse homossexual.  Provavelmente por nunca ter achado que isso fosse muito importante, nem nunca ter tido grande proximidade com ele. Quem conhecia bem era o irmão, o Duarte.

Naquele momento era esse o tema de conversa na mesa onde me sentei. Diziam que irmão mais novo não lhe falava, pelo menos era o que constava nas redondezas. Pensei que se ele não lhe falava devia ser por outras coisas e não pela sua opção sexual. Opção  assumida, tardiamente, já depois de um casamento falhado e de muitos "enganos", inclusive a ele próprio, como também foi comentado.

Não é uma história invulgar neste país "brando" onde ainda tanta gente se esconde nos "roupeiros" das nossas vidas. Às vezes a vida inteira...

Não gostei dos termos usados pela generalidade das pessoas, para quem o rapaz (com mais de cinquenta anos...) era quase um coitadinho e um "doente", só faltou dizerem que alguém lhe tinha pegado "aquilo".

Fiz um esforço para não me meter na conversa e consegui. Mesmo quando um dos homens lhe fez uma espécie de elogio, dizendo que sempre fora um bom rapaz e que só tinha mesmo aquele "defeito". Ainda acrescentou: «ninguém diz que ele é "rabicholas" (foi esta a expressão utilizada...). Ainda bem que não anda pelas ruas a abanar-se todo nem veste as roupas da irmã.» Provocando gargalhada geral.

O sujeito, muito dono da sua sexualidade, acabou o seu discurso moralista com a frase: «Paneleiros ainda vá que não vá, agora maricas...»

O óleo é de Vladimir Kush.

terça-feira, maio 14, 2013

Abril: Entre o Sonho e o Pesadelo


Abril parece cada vez mais um sonho, distante.
Às vezes penso que se está a transformar
numa  daquelas recordações infantis, 
que em alguns momentos duvidamos da sua existência.

É então que pergunto:
É assim tão difícil viver num regime verdadeiramente democrático,
onde todos temos deveres e direitos iguais?
Para mim não, mas para alguns nota-se que é um pesadelo.

Nunca percebi (nem vou perceber...),
porque razão "esses alguns" sonham ser donos de tudo,
porque gostam tanto de construir ilhas no meio da terra,
onde tem quase tudo e mesmo assim não vivem satisfeitos.

Pensar,
que é,
por causa dessa gente,
que Abril parece,
cada vez mais,
um sonho distante...

O óleo é de Alexei Antonov.

segunda-feira, maio 13, 2013

Gostar de Olhar para o "Mundo"


Quando gostamos de olhar para o mundo que nos rodeia, não precisamos de levar uma cadeira para a rua, como nos é sugerido pelo quadro de Andreas M. Wiese.

Aliás, penso que quanto mais discreto for o nosso olhar, mais longe ele consegue chegar.

Gosto muito de olhar com olhos de ver para tudo o que me rodeia. Os meus olhos deixam-se "prender" com  relativa facilidade, e nem sempre se agarram à beleza, essa palavras feminina. O insólito e o curioso também me chamam a atenção muitas vezes.

E também gosto de sentir que nunca vejo quase tudo. Tantas vezes que descubro uma janela ou um azulejo, "pela primeira vez", numa rua que já percorri vezes sem conta.

Acho que quem escreve ou filma, ainda sente mais necessidade de observar, de ver como os outros se comportam, muitas vezes até lhes dá "vida" como personagens...

domingo, maio 12, 2013

O Homem Certo no Lugar Certo


Jorge Jesus não é outro Mourinho, como um "filósofo" tem andado a apregoar pro aí, por razões que só ele conhece, mas é um bom treinador, provavelmente, o ideal para o Benfica, nestes tempos difíceis.

Não tem o melhor discurso, embora isso não seja coisa que lhe tire o sono nem o faça mudar de "dialéctica", pois "os pontapés na gramática" já são uma imagem de marca.

Ainda bem que não mede cada palavra que diz, é natural frente às câmaras, ao contrário de Paulo Bento ou Vitor Pereira, que já deviam ter tido umas "lições" para enfrentarem os jornalistas com mais naturalidade e fugirem do discurso monocórdio.

Mas o mais importante é percebermos que Jorge Jesus percebe realmente de futebol e é capaz de construir equipas e valorizar jogadores. O único senão é ser muito teimoso. Mas até aqui parece ter melhorado. Este ano, se perder o título, não foi devido a apostas erradas como as que fez com Roberto ou Emerson nas últimas duas épocas.

Como Benfiquista espero que o Paços Ferreira termine a época da melhor maneira, com uma vitória na última jornada em casa frente ao FCP, e que o Benfica vença o Moreirense, claro...

sábado, maio 11, 2013

A Falta de Imaginação é o Mal Menor


Podia falar dos administradores de empresas públicas (não lucrativas...), que continuam a receber ordenados superiores ao do presidente da república (sem esquecer  as suas mordomias: carro, cartão de crédito, despesas de representação, senhas de gasolina, etc);  dos deputados que além do vencimento, têm direito a despesas de representação e ajudas de custo para tudo e mais alguma coisa; do presidente da república que gasta quase o dobro da casa real espanhola; dos observatórios e institutos que se mantêm e cuja única finalidade é colocar "bois" (quer do PSD quer do PS); mas para quê?

Já todos percebemos que este governo vai continuar a insistir na mesma fórmula para reduzir a despesa do Estado: reduzir salários aos funcionários públicos e pensionistas. E despedir milhares de funcionários públicos (não pode despedir pensionistas, mas vai cortando-lhes o acesso à saúde e aos bens essenciais, para ver se "desaparecem" de vez da sua vista...).

Isto não revela apenas falta de imaginação, revela sobretudo incompetência e ódio à coisa pública e aos portugueses mais dependentes do Estado, como se estes fossem culpados dos "desmandos" desta gente (PSD e PS) que tem repartido o poder nos últimos 30 anos.

O que estranho é não existir uma reacção forte de todos os sindicatos da função pública, de em vez de fazerem greve por um dia, pararem os seus serviços durante uma semana, para que esta gente ordinária perceba que sem a função pública o país não existe.

O óleo é de Massimo Marano.

quinta-feira, maio 09, 2013

«Todos nós somos uma época».


As pessoas iam passando por nós, rente à nossa esplanada, onde fazíamos tempo para a reunião que tinha sido adiada por uma hora e comunicada cinco minutos antes do seu início...

Podíamos ter ficado chateados, mas não, foi uma oportunidade de metermos a conversa em dia, especialmente com a Rita, que está sempre a sair-se com "novas", não vivesse ela completamente focada no mundo que nos rodeia, ao ponto de ver coisas que mais ninguém vê.

Foi quase assim que nos mostrou as "diferenças" existentes nas pessoas que passavam, explicando-nos de seguida: «todos nós somos uma época qualquer. Onde isso se vê de uma forma mais nítida é na roupa que vestimos.»

Nunca tinha pensado nisso nem estava à espera da surpresa que ela preparou.

A partir desse momento a Rita começou a catalogar as pessoas por anos, pelo penteado, pela roupa, pelo andar, pelo calçado e até pelo olhar. Curiosamente passaram por nós mais pessoas "anos quarenta que sessenta ou setenta", talvez pela marca dramática que nos invadiu e que nos deixa cabisbaixos, com o ar que devemos alguma coisa a alguém.

Mas foi bom, há muito tempo que uma hora não tinha tão poucos minutos...

O óleo é de Charles Levier.

terça-feira, maio 07, 2013

«Não conheces Nova Iorque?»


Ela apanhou-me a meio de uma conversa e exclamou: «tu não conheces Nova Iorque?». Quem a ouvisse pensava que a cidade que gosta de fazer festas no céu, ficava logo ali, depois da esquina ou no outro lado do rio...

Eu sorri e disse-lhe que não, que ainda não conhecia Nova Iorque. Acrescentei que estava apenas à espera de uma "aberta".

Ela devolveu-me o sorriso e depois confidenciou-me: «lembrei-me de uma coisa estranhíssima, em hora de ponta, as pessoas andavam muito mais depressa que os carros, os passeios largos das avenidas pareciam auto-estradas.»

Sem deixar que eu a interrompesse contou-me mais uma coisa de Nova Iorque: «A única coisa que não gostei muito foi de olhar para cima. dava por mim a pensar na possibilidade daquele "cimento" todo me cair em cima.»

Continuámos a sorrir com cumplicidade e brindámos ao Tejo e a Lisboa que nos abraçavam, como se pudéssemos apanhar uma barca e desembarcar daí a nada na cidade maior das américas.

O óleo é de Jean Fredenucci.

segunda-feira, maio 06, 2013

A Moda e o Requinte do "Karaoke"...


Nunca fui uma "ave nocturna", mas então hoje, contam-se pelos dedos de uma mão as vezes que saio à noite para qualquer bar. A desculpa de não ter quem fique com os filhotes, é isso mesmo, uma desculpa.

Foi por isso que uma noite destas percebi que a moda do "karaoke" veio para ficar e continua a ser uma grande animadora de plateias.

As figuras deprimentes que vemos fazer nas audições do programa "Ídolos" são facilmente transportadas para alguns cafés e bares, onde alguns "artistas", pensam (ou querem pensar...) que as palmas e as gargalhadas que suscitam, se devem ao seu "jeito para a coisa" e não ao merecimento de um comentário do género, «não cantas um c...».

Descobri também que existem diferenças nos gostos musicais da clientela. Se estivermos num lugar onde os frequentadores se levam mais a sério, em vez  de cantarem Tony Carreira ou Quim Barreiros, oferecem-nos Sinatra, em grande estilo, pensam eles, claro...

O óleo é de Guy Lerat.

domingo, maio 05, 2013

Para Sempre


Para SemprePor que Deus permite 
que as mães vão-se embora? 
Mãe não tem limite, 
é tempo sem hora, 
luz que não apaga 
quando sopra o vento 
e chuva desaba, 
veludo escondido 
na pele enrugada, 
água pura, ar puro, 
puro pensamento. 
Morrer acontece 
com o que é breve e passa 
sem deixar vestígio. 
Mãe, na sua graça, 
é eternidade. 
Por que Deus se lembra 
— mistério profundo — 
de tirá-la um dia? 
Fosse eu Rei do Mundo, 
baixava uma lei: 
Mãe não morre nunca, 
mãe ficará sempre 
junto de seu filho 
e ele, velho embora, 
será pequenino 
feito grão de milho. 

Carlos Drummond de Andrade, in 'Lição de Coisas'
O óleo é de Jesus de Perceval.

sábado, maio 04, 2013

«Dê-me também dois maços de meias.»


Uma mulher pediu licença para entrar e disse logo ao que vinha, poisando no chão o saco que trazia à sacola. Devia rondar os quarenta e mostrou as meias que andava a vender pelas ruas e nos cafés onde a deixavam entrar, como foi o caso.

Vi nos seus olhos uma sinceridade que normalmente não se encontra nos vendedores disto e daquilo, talvez por ser genuinamente portuguesa, não ter qualquer traço de Bucareste ou Magrebe.

As mulheres quiseram ver a mercadoria e a conversa puxou ao desabafo sofrido, «perdi quase tudo, até a casa me levaram», mas sem lágrimas da mulher que se tentava afirmar pela coragem e não pelo desespero, «mas temos de fazer pela vida, todos os dias, mau mau é roubar, de resto...»

E eu ali sem saber o que fazer, até me deu vontade de fumar um cigarro, mesmo sem nunca ter sido fumador, para deitar a raiva misturada com o fumo, pelo "enterro" que estão a fazer ao nosso país.

Em vez do cigarro que não tinha, acrescentei: «dê-me também dois maços de meias.»

O óleo é de Sammy Charnine.

sexta-feira, maio 03, 2013

Esconder a Nudez com o Olhar


Às vezes, quando estou quase distraído, tento entrar pelos olhos das pessoas dentro. Sem pedir licença, claro.

Foi o que fiz hoje enquanto esperava na caixa do supermercado.

A menina que estava ali a despachar a freguesia sentiu a minha intromissão e tentou esconder tudo o que eu queria ver, dentro do seu olhar.

Pela forma como me olhou senti que era uma daquelas mulheres que tentam esconder a sua nudez com mantas, toalhas, lençóis, etc...

O óleo é de Mara Light.

quinta-feira, maio 02, 2013

Um Passeio de Bicicleta na Rua Vazia


A rua estava vazia e ela saiu de casa sem qualquer peça de roupa, pegou na bicicleta e foi dar uma volta ao que os homens costumavam chamar, "o bilhar grande".

Naquela tarde o Porto jogava na Antas e se ganhasse era campeão, um forte motivo para todo aquele povo organizar uma excursão e ir ao futebol, com um farnel do caraças.

Estava tão feliz a passear nuinha, em cima da bicicleta  que o ligeiro desconforto que sentiu no selim nos primeiros minutos, acabou por se tornar agradável.

Por muito que se esforçasse nunca iria perceber qual era a graça de correr atrás de uma bola, como se o mundo acabasse no momento seguinte, nem tão pouco a vontade quase irracional de vencer, de qualquer maneira, a qualquer preço...

O óleo é de Joop Moesman.

quarta-feira, maio 01, 2013

Quero Outro Maio


Neste quadro de Ileana Cerato:

há um cravo 
plantado no deserto
que escolhi para ilustrar
esta passagem de Abril a Maio

na cidade:

há pessoas na rua, livres,
há pessoas nas lojas, presas,
há pessoas sem eira nem beira,
porque que não as deixam trabalhar 
e pertencerem ao primeiro de Maio.

no país:

há uma coligação que espalha o medo, 
com mentiras, fantasmas e papões.
Está tão fora de prazo 
que cheira mal e governa pior.

como eu tenho saudades de Maio.