sábado, março 31, 2012

«Olha as minhas putas feias.»


Quando o Manuel exclamou, antes de nos despedirmos e dele entrar no café-tasca, «olha as minhas putas feias», segui o meu caminho a pensar na frase.

Só dias depois, com alguma lata à mistura, é que lhe pedi para me explicar o significado das  suas palavras, que me lembraram Garcia Marquez e outros escritores latino-americanos, que nunca fecham as "putas" das suas história em bordeis.

Manuel confidenciou-me que nunca gostou de beber sozinho e que só havia uma forma de beber acompanhado, era pagar uma rodada à meia dúzia de homens feitos, que assim que o viam, se encostavam ao balcão e nunca faziam cerimónia, quando ele dizia se queriam beber alguma coisa. Enquanto havia alguém que pagasse, não largavam a roda, e se alguém os "picava", diziam que se tinham esquecido da "puta" da carteira, que ficava quase sempre em casa...

«Isto é quase como o sexo (não foi esta palavra que ele disse...), se não tiveres mulher, normalmente tens de pagar a alguém para te dar prazer e a maneira mais fácil é recorreres a "putas", conhecidas ou desconhecidas. Nas tascas e cafés acontece o mesmo, se não tiveres amigos que gostem de beber e se quiseres companhia, tens de abrir os cordões à bolsa. Desta maneira, acredita que nunca te faltam "putas feias", capazes de rir por tudo e por nada ou de estarem de acordo contigo, só para beber um copo de vinho ou uma cerveja, sem gastar tusto.»  

O óleo é de Juan Subira Domingo.

quinta-feira, março 29, 2012

A Mãe e as Três Crias


Cruzo-me muitas vezes com uma mãe que além de carregar as compras, segura os três filhos, sozinha, a caminho de casa.

Um deles é mais fugidio e ela farta-se de gritar com ele, preocupada com o seu amor tão precoce à liberdade. 

O miúdo lembra-me o meu irmão, não pelo que conheço, mas pelo que ouço contar. A minha mãe recorda-nos muitas vezes a sua mais célebre fuga. Com apenas quatro anos largou-lhe a mão na Praça do Peixe e desapareceu. Preocupada, comigo ao colo, correu as redondezas e nada do meu irmão. A praça ficou toda num alvoroço à procuras da criança perdida...

Completamente desesperada e chorosa, só descansou quando regressou a casa e o encontrou sentado na porta, à sua espera.

Não lhe bateu, abraçou-o. Só depois de um longo abraço é que lhe deu uma reprimenda das grandes.

Quando sentimos a "dependência" dos nossos filhos, que mesmo com dez, onze anos, não andam por aí sozinhos, acabamos por estranhar esta "façanha" do meu irmão, que com apenas quatro anos, conseguiu percorrer "meia-cidade", sem a ajuda de ninguém, até chegar ao Bairro dos Arneiros, onde viviamos.  Claro que estávamos nos anos sessenta do século passado, mas...

Quando vejo esta mãe, lembro-me de todas as "mães-coragem", que enfrentam o mundo de peito aberto, aparentemente sem grande apoio familiar.

O óleo é de Margarita Sikorskaia.

terça-feira, março 27, 2012

Viva o Teatro!


A direita sempre teve medo da Cultura. 

Essa poderá ser uma das explicações para o uso abusivo que está a fazer da crise, "destruindo" o pouco que se faz no nosso país em termos culturais. Este ataque não é inocente, também visa atingir a esquerda, que tem na Cultura, uma das suas últimas barricadas.  

Dos vários ramos da Cultura, o Teatro tem sido a principal vitima deste governo, com o argumento de que esta Arte apenas se alimenta dos subsídios das autarquias e do ministério da cultura, sem partir em busca do seu publico.

Esta crítica poderia ter algum fundamento se o Estado mostrasse alguma preocupação em promover a teatro (e outras Artes, claro) nas escolas e cultivar o gosto artístico dos portugueses.

Mas enquanto continuarmos à espera - há mais de trinta anos, de uma política cultural séria e abrangente (que custará mais que os míseros 0,5 % do PIB) por parte de quem é governo -, seremos este país sem grande capacidade para se olhar ao espelho, para se rever num palco e sorrir ou fazer caretas da sua "humanidade".

Eu sei, os agentes culturais incomodam os poderes, grandes e pequenos. Incomodam mas nunca mordem ou batem no seu público.

Por tudo isto e muito mais: VIVA O TEATRO!

O óleo é de Artazazd Talalyan.

domingo, março 25, 2012

A Sul


Não sou propriamente um convertido aos mares do Sul, mas sei que só é possível ter umas férias com sol todos os dias, do Alentejo até ao começo de África.

Gosto muito do mar selvagem e fresco do Oeste, e até daquela maresia que esconde o Sol, pelo menos até à hora do almoço, mas só para passear (por isso é que sempre fiz praia de tarde quando vivia nas Caldas...). Mas é péssimo perder metade dos dias de férias, por causa do "mau tempo no canal"...

Este óleo de  Claude  Gaveau, é muito Sul de Portugal, nem falta a pequena barca...

sexta-feira, março 23, 2012

A Opereta do Malandro


O mundo onde vivemos não deixa de ser giro, se olharmos para ele com a mesma benevolência com que olhamos para os falsos coitadinhos, capazes de viver a vida inteira à custa do "orçamento".

Ao ouvir um desses fulanos que conhecem todas as formas para extorquir alguma coisa ao estado, dizer, «eu tenho direito», pensei na gente que está no mesmo lado da barricada que eu, em que parece que só temos deveres.

O mais curioso é termos essa mesma benevolência para com os nossos governantes, gente que também só têm direitos...

Claro que no final bate tudo certo, os fulanos que só têm direitos ficam num dos lados da balança, e os outros, que só tem deveres, ficam na outra e fica tudo equilibrado, pelo menos aparentemente...

O pior de tudo foi ter sido perseguido durante o dia pelo "malandro da opereta", capaz de extorquir dinheiro ao Sol por brilhar ou às nuvens por nos oferecerem algumas sombras.

Até pensei que talvez fosse boa ideia distribuir umas canas de pesca por aí, em vez do pescado que se encontra por aí nos "mercados" da segurança social.

O óleo é de Trent Gudmundsen.

quinta-feira, março 22, 2012

«A Primavera já cá estava na semana passada.»


O velho Augusto continua uma "estraga-prazeres". É a única explicação que encontro para a resposta que deu  à vizinha, que nos disse toda satisfeita, que a Primavera tinha chegado de madrugada.

«A Primavera já cá estava na semana passada. Não me diga que não reparou.» E piscou-me o olho.

A mulher olhou-nos, irritada, antes de virar costas.

Ficámos ambos a sorrir, enquanto ela se afastava e espantava os pombos que quase nos poisavam nos pés.

O óleo é de Elena Climent.

quarta-feira, março 21, 2012

A Escola e a Poesia



A Escola e a Poesia

A minha filha disse-me que o dia
De hoje, é diferente, é especial
Festeja-se as Árvores e a Poesia
Até me pediu um poema original

Quando lhe perguntei o tema
Lembrou-se da escola e dos amigos
Que por si só enchem um poema,
Cheio de momentos divertidos

Às vezes não nos apetece aprender
Preferimos o recreio para brincar
Esquecemo-nos que é tão bom ler
Escrever, contar e desenhar…

Sem sabermos ler e escrever
De pouco nos serve a Poesia
Por isso é que temos de aprender,
Sempre, de olhar a escola com magia.

Quando fui buscar a minha filha à escola, na pausa para almoço, ela pediu-me para escrever um poema, sobre a escola, para levar na parte da tarde. Lá escrevi quatro quadras. Espero que se tenham divertido com elas. Ilustrei o poema com este quadro de Henry J. J. Geoffroy.

terça-feira, março 20, 2012

Dar Vida Nova ao Velho


Há pessoas que têm a capacidade de dar vida a objectos que já ninguém lhes encontra presente, quanto mais futuro.

Uma delas era o professor Lagoa Henriques, que conseguia pegar num pedaço de lata ferrugenta e transformá-la num artefacto artístico, conseguindo-o inserir num outro contexto, obrigando-nos a olhá-lo de uma nova forma.


O curioso é as pessoas comuns que também têm esta capacidade, de dar uma nova vida a qualquer objecto, como a máquina de costura que aparece na imagem. Conheci em Almada um excelente recuperador de máquinas de costura, o Jacinto, depois de deixarem de ter utilidade nos arranjos das peças de roupa. Pintava-as e oferecia-lhes uma nova oportunidade de "sobreviverem", como mesas de apoio ou simples peças de decoração, em salas que queriam ter uma alma diferente, com a simplicidade de mãos dadas com a originalidade.

O óleo é de Michael Klein.

segunda-feira, março 19, 2012

A Velha Praia da Margueira


Ouvi-a com atenção e ternura, quando falava da casa dos avós rente à praia da Margueira, que um dia foi engolida, primeiro com a abertura da estrada até à Cova da Piedade e depois pelas obras dos estaleiros da Lisnave.

Foi ali, que ela e os irmãos aprenderam a nadar, sob o olhar atento do pai, que nadava muito bem e chegou a fazer vela com alguns cacilhenses, como o Álvaro Durão, que foi um grande velejador (até chegou a participar em regatas internacionais).

Nas férias grandes da escola passava ali os meses de Verão, a Margueira era a sua praia.

O que mais recorda da casa é o varandim com vista para o Tejo, sempre rodeado de flores, e o quarto de águas furtadas, que era seu e das primas, Matilde e Isabel, com uma excelente visão para a praia e para o Tejo.

Também me disse que chegou a fazer teatro no Ginásio Clube do Sul, porque precisavam  de uma miúda mais ao menos como ela, para uma peça, de um autor brasileiro, Dias Gomes, com muitas personagens. A tia Dora levou-a e ela acabou por ficar com um pequeno papel. Gostou tanto que voltou a entrar em mais peças de teatro amador, mesmo depois de casada.

Foi tempo de falar do marido, o bom do Carlos, que conheceu num baile de Verão do Ginásio e a fez ficar de vez pela nossa Outra Banda.

O óleo é de Alejandra Caballero Santamaria.

sábado, março 17, 2012

Uma Travessia Esclarecedora


De manhã atravessei o rio de cacilheiro e fui a Lisboa (com a crise parece que a Capital ficou mais afastada e vou menos vezes à cidade grande...). Durante a viagem reparei num pequeno pormenor: a maior parte das pessoas que liam, tinham livros nas suas mãos. 

Apenas meia dúzia folheava jornais, quase todos desportivos, excepcionalmente pintados de verde, pela passagem do Sporting aos quartos de final da Liga Europa.

A febre dos gratuitos desapareceu há já algum tempo. Provavelmente, em vez de ter fixado leitores - como muitos defendiam -, foi capaz de ter produzido o efeito contrário.


E como eu percebo estes leitores de livros. Ficção por ficção, é preferível escolher a boa, feita pelos melhores autores...

sexta-feira, março 16, 2012

«Queres este livro?»


Quando ela me perguntou: «queres este livro?», disse apenas uma palavra, «quero».

Se há coisa que nunca recuso é a oferta de um livro, por muito velho ou insignificante que seja. Este era mais antigo que velho, e muito significante, editado em 1932.

Gostei do título, "Os Nossos Escritores (selecta literária)", um livro escolar indicado para a III, IV e V classe. Mas gostei mais ainda da sua história. Foi o primeiro livro que o seu avô viu, ainda antes de saber ler. Com apenas cinco anos fixou o nome do escritor da capa, um tal Luís de Camões, que perdera o olho a lutar contra os mouros. Anos mais tarde herdou o livro, quando o tio Jorge mudou de casa e de cidade, desfazendo-se de tudo aquilo que achava acessório.

Como só pode andar na escola até à terceira classe, este livro foi a sua "tábua de salvação", a forma de nunca se esquecer das palavras que tanto amava...

Com quase oitenta anos ainda pegava nele e lia um ou outro poema. Ela disse-me que ele costumava declamar "Flores D'Alma", de Tomás  Ribeiro.

Como eu o percebi. Era uma selecta muito completa onde se podia ler o melhor da nossa poesia, ensaio e ficção, dividido em duas partes: literatura clássica e literatura romântica. O mais curioso é que muitos dos autores presentes na selecta ainda hoje são reconhecidos. E havia três mulheres, Soror Violante de Noronha (século XVII), Marquesa de Alorna (século XVIII e XIX) e Maria Amália Vaz de Carvalho (século XIX e  XX).

Eu que nunca marco os livros, descobri ainda vários sublinhados a lápis...

quarta-feira, março 14, 2012

«Claro que sim, também já quis voar.»


A minha filha está mais crescida, já não me surpreende tanto. Pudera, com quase oito anos já se julga uma miúda grande...

Mas às vezes descai-se e lá sai uma pergunta daquelas, entre o estranho e o divertido, e que mesmo assim, nos deixam a pensar.

Quando ela me perguntou: «pai, já quiseste voar?» Apeteceu-me ir mais longe, «voar como?», para ela fazer aquele ar empertigado, «olha, voar com asas, claro. Não é dentro de um avião.» E depois eu ser capaz de responder sem sorrir: «Claro que sim, também já quis voar.» E ela insistir: «querias ser um pássaro especial?» E eu apanhar um quase ali à mão, «Queria ser uma Gaivota.» E ela, sem perder tempo, «Querias era ser um gaivoto».


E lá acabámos os dois a rir.

O óleo é de David Popiaschvili.

segunda-feira, março 12, 2012

Anatomia dos Mártires


Acabei ontem de ler a "Anatomia dos Mártires", de João Tordo.

Embora esteja bem escrito, na minha opinião ficou ligeiramente atrás do "O Bom Inverno", apesar da sua história, pelo menos aparentemente, ser muito mais prometedora.

Digo isto porque aborda também a história mitológica de Catarina Eufémia, que foi desmontada pelo autor, mas sem qualquer novidade, pelo menos para quem está dentro da temática.

O João continua um "internacionalista" (penso que deve ser propositado, para partir à conquista de novos mercados...), andou por Berlim, namoriscou uma irlandesa e acabou por ir a Dublin.

O jornalismo e esta época estranha em que vivemos (sim a crise está lá, até tem o Afonso, um vendedor de sonhos com o tal dinheiro fácil que afinal tinha asas...), estão lá, bem caracterizados.

Aliás, a personagem principal (o João escreve na primeira pessoa...), pode muito bem ser confundida com um desses "inventores de notícias", que enchem as redacções dos jornais.

Como já disse, estava à espera de melhor, pelas expectativas que o João me criou, com as suas obras anteriores,  mas é natural que isso aconteça, não há dois livros iguais, quanto muito podem ser parecidos. 

Até é provável que alguns leitores prefiram este aos outros livros. É por isso que nem todos saem à rua vestidos de branco...

domingo, março 11, 2012

Outra Vida



Não estranho tanto como outras pessoas, que um amigo comum, que já foi músico profissional, baixista de grupos e músicos famosos, não utilize esses tempos como a "bandeira" da sua vida. Nem sequer tem fotografias de concertos penduradas nas paredes da sua casa.


Há pessoas assim, demasiado simples, capazes de largar o passado com facilidade, principalmente se viverem relativamente bem no presente.


Num jantar de amigos, a sua "boa vida" veio à baila, houve mesmo quem o provocasse, dizendo que ele não falava da sua vida de músico porque queria ser um "Jimi Hendrix" e não passou de um baixista. Outro disse que ele devia ter vergonha das más figuras que fez..


Primeiro ofereceu um sorriso aos dois amigos, mas perante a minha insistência, lá respondeu com palavras:


«Nunca foi vergonha ser baixista de tantos gajos famosos, nem de fazer centenas de concertos pelo país fora, incluindo alguns coliseus. É mesmo das melhores coisas do meu "BI". Há coisas que fiz, que me envergonham um bocado, mas nunca ter sido músico. Mas hoje estou noutro mundo, já não sou músico, sou caixeiro-viajante, e se há coisa que não  me apetece é viver de memórias.»


Gostei muito da forma como respondeu. Como eu o percebo, nem toda a gente precisa de palcos para ser feliz... 

O óleo é de Chris  Miles.

sábado, março 10, 2012

Emoções Escondidas


Morre-se de muitas maneiras, mas raramente de morte natural. Infelizmente há demasiados "rouba-vidas" à nossa volta. 

Ela estranhava o comportamento dele, o silêncio e a aparente frieza pela morte dos outros. Foi por isso que perguntou:

- Não tens emoções?
- Se tenho... mas já consegui arranjar um bom esconderijo para elas, dentro de mim.

(diálogo de duas personagens de uma das minhas histórias, à procura do tal romance...)

O óleo é de Anne Magil.

sexta-feira, março 09, 2012

Ser Livre



Numa destas tardes estive à conversa com um amigo, militante comunista por ideário e convicção, solidário com os seus camaradas até à exaustão (mesmo para com os que não merecem...).


À medida que íamos trocando impressões sobre isto e aquilo, as nossas diferenças acentuavam-se com maior nitidez. Falávamos de factos concretos e eu dizia mal disto e daquilo, sem me preocupar com os "actores", mesmo simpatizando com deles. Ele não. Havia uma barreira de solidariedade, que o impedia de criticar a acção dos camaradas.


Percebi mais uma vez, porque razão sou mais livre que ele e que tantos outros companheiros. Não sou "prisioneiro" de nenhum credo, político ou religioso.


Lembrei-me do meu pai (são da mesma geração...) com orgulho, por ele ter conseguido ser tão livre (continuo a achar que foi a pessoa mais livre que conheci, com tudo o que isso também implica de egoísmo e individualismo), sem se deixar condicionar por quase nada, para além da sua consciência.


Não sou tão libertário como ele era, mas acredito cada vez mais que não temos de impor nada aos outros, sempre que possível, devemos deixá-los percorrer livremente o seu caminho...


O óleo é de Aldo Balding.

quinta-feira, março 08, 2012

Sou um Homem e...


Em relação à escolha deste poema, podia apenas dizer, «porque sim», mas devo dizer 
mais qualquer coisa. Gosto muito das palavras da Alice e hoje é um dia em que as posso festejar. Não são palavras fáceis, podem e devem ter várias interpretações...


sou um homem e pinto. 

acontece-me frequentemente sair de casa 
para escolher uma mulher na rua, 
uma desconhecida, alguém cujo rosto seja um poema, 
ou simplesmente um rosto. 
visto umas calças e uma camisa velha 
e saio na hora de ponta, 
envolvo-me na multidão e atravesso ruas sem parar, 
até encontrar esta mulher.


já trouxe para casa mulheres cegas, 
são fáceis de pintar, 
tiram a roupa tão depressa como tiram os óculos 
e despem-me em igualdade de circunstâncias. 
não me fazem perguntas, falam das condições do tempo, 
numa espécie de arrefecimento gradual 
que vão experimentando com a idade, 
e quase sempre me oferecem o corpo.


já trouxe mulheres solteiras, muito jovens, 
ainda virgens, comportam-se timidamente, 
não mexem em nada, fazem gestos de grande ignorância, 
encolhem-se sobre a sua própria magreza, 
enrolam fios de cabelo nos dedos, à espera das palavras.

já tenho recebido mulheres casadas, estupidamente infelizes, 
que deixam os filhos na escola e chegam extenuadas, 
como se a tarefa da maternidade fosse invencível, 
ou estas visitas pudessem aliviá-las.


há uma que vem todas as sextas-feiras, descalça, 
com os olhos cheios de perguntas, 
as mãos tão brancas e doridas, a pele enrugada, 
cada ruga um enigma para o meu complexo ofício de pintor.

hoje, quando chegou, pediu-me com gentileza, 
ponha algumas flores no meu retrato, 
e foi sentar-se na cadeira. 
depois, quando viu o retrato disse, 
ficam já estas para as que me faltarem na campa, e saiu.

alice macedo campos
(in) a mulher sus.pensa
junho de 2010



Obrigado Alice!

E obrigado Mulheres (todas...), por existirem. Como seria horrível o mundo sem vocês...


O óleo é de Vitold Smukrovich.

terça-feira, março 06, 2012

A Teimosia Raramente é uma Virtude


Sinto que a teimosia raramente é uma virtude. Palavra de Teimoso!

Embora eu seja daqueles teimosos que só teimo quando tenho a certeza de alguma coisa...

Felizmente ou infelizmente, o futebol acaba por ser uma das melhores metáforas da vida, por todos os condimentos que nos oferece.
O treinador do Benfica é dos melhores exemplos da teimosia que normalmente dá maus resultados. O ano passado apostou a época toda num guarda-redes de terceira categoria, que dava a sensação de besuntar as luvas de manteiga antes dos jogos, o espanhol Roberto. Este ano aposta num defesa esquerdo brasileiro, cuja última proeza foi deixar-se expulsar no jogo com o F.C.Porto, tornando tudo mais difícil para o clube da Luz, que acabou derrotado em casa. O mais curioso é ter no plantel um esquerdino que era só titular da selecção de Espanha, campeã da Europa e do Mundo.
Escrevi isto antes do Benfica se ter apurado para os quartos de final da Liga dos Campeões. E não mudo uma linha. Se o Benfica não for campeão, isso fica a dever-se à teimosia de Jorge Jesus.

Este é apenas mais um exemplo da falta de senso que anda por aí...

Normalmente a teimosia abre o caminho à estupidez, quando se insiste no mesmo erro.

É por isso que sinto que a teimosia raramente é uma virtude.

A fotografia, "Cena de Rua", do meu amigo Aníbal Sequeira, também tem alguns condimentos da tal teimosia que vira estupidez, por vezes de uma forma violenta.

segunda-feira, março 05, 2012

Ser ou não Descartável


Há muito tempo que não me sentia tão incomodado como hoje. 

Mas há sempre uma altura em que temos de dizer basta. Em que achamos que os outros ultrapassaram o limite do que achamos tolerável.

Acho que estamos como estamos como país, porque continuamos a ter demasiadas pessoas incompetentes em lugares importantes (começa logo no presidente da república...), e que por ignorância e vaidade, são capazes de fazer os maiores disparates e, infelizmente, raramente pagam pela sua ousadia.

Isso faz com que os maus exemplos proliferem um pouco por todo o lado e que existam por aí tantas pessoas capazes de delapidar o que é de todos, quase sempre por ignorância. Mais grave é quando o fazem nas costas de quem sabe e se preocupa pela preservação desse mesmo património, não sei se por despeito, medo ou por outra coisa qualquer.

Sei que deve ser difícil perceberem onde quero chegar, mas não acho importante ser mais concreto. Apenas queria dizer que há muito tempo que não questionava tanto tudo o que rodeia...

O óleo é de Mark Horst.

domingo, março 04, 2012

Hoje Tudo Serve para Vender Papel



Escrevi esta prosa há talvez um ano, mas nunca a publiquei (mantinha-se como rascunho), porque há um jornal que contraria a tese que eu defendia. Esse mesmo, o "Correio da Manhã", que lá vai fazendo notícias de primeira página, com meias verdades e até mentiras, que depois desmente num cantinho nas suas páginas interiores. O que é facto é que ele continua a ser o rei das "vendas"...
E não vale de nada, dizermos que não o lemos, porque pelo menos as suas primeiras páginas comunicam quase sempre com os nossos olhos na "montra" dos quiosques.  A ficção tem destas coisas, por muito má que seja, um bom titulo é sempre capaz de fazer a diferença...


«Sei que o jornalismo também é isso, vender papel, mas não devia ser o ponto essencial, porque o papel de jornal é mais ordinário que o papel comum e já nem deve ser usado para as necessidades mais aflitivas, que por vezes não escolhem hora e local, como em tempos idos.
A história do jornalismo diz-nos que, também aqui a mentira tem a perna curta. Embora todos saibamos que se for repetida muitas vezes, pode ser confundida com a realidade. E isso faz-se tantas vezes, especialmente quando quem escreve a notícia, além de ser mau jornalista, é mentiroso.
O "Independente" desapareceu, tal como o "24 Horas". Não foram meros acasos. Quem compra jornais não está para ser "enganado" todas as semanas. E nem é preciso ser adivinho para perceber que irá acontecer o mesmo com o "Sol" e com o "i"

O óleo é de Myoe Win Aung.

sábado, março 03, 2012

As Políticas Miseráveis Matam



Tenho muito poucas dúvidas de que o número excessivo de mortes, neste inicio de ano, está ligado às políticas miseráveis deste governo.


O frio excessivo fez aumentar um pouco por todo o lado as gripes e constipações, às quais os corpos mais debilitados não conseguiram resistir. Haverá várias explicações para o facto. Adianto duas: a incapacidade financeira de muitas pessoas para garantirem uma alimentação suficiente, para comprarem os medicamentos necessários e até para pagarem o aquecimento das suas casas. E ainda outra que está a ser silenciada, a ausência de condições de assistência médica a uma boa parte das pessoas, principalmente as que vivem em meios pequenos, cada vez mais entregues à sua sorte, devido ao fecho de dezenas de centros de saúde.


Para quem ainda tivesse dúvidas, ficou provado que a política de centralidade deste governo mata.


Pior que a insensibilidade gritante destes ministros, que preferem fechar um centro de saúde a acabar com as suas benesses, desde os cartões de crédito, aos transportes, passando pelas despesas da representação, é o silêncio de Paulo Portas e dos seus "comparsas", que na oposição fingiam ser os grandes defensores dos "pobrezinhos" e "velhinhos".


O óleo é de Luís Selem.

sexta-feira, março 02, 2012

Olhares Destes Tempos


Não sei se é apenas impressão minha, mas nos últimos tempos noto que as pessoas, principalmente as mulheres, têm olheiras mais profundas.

Nem se trata nada de espantoso, já que elas vivem tudo com mais intensidade e sentem os problemas de uma outra forma, pois são quase sempre elas que "governam" as casas, que têm as pastas das finanças e da economia, áreas hipersensíveis, nestes tempos povoados de indefinições...

O óleo é de Alison Oakes.

quinta-feira, março 01, 2012

A Música Faz Bem à Alma e ao Corpo


Não foi difícil concluir que estava a mais naquela sala. Já sonhara muita coisa, mas nunca com monarquias ou reis, era incapaz de sonhar com um mundo povoado de pessoas que se julgam mais iguais que as outras.

Foi por isso que saiu para ir à casa de banho e na volta ficou-se pelo bar, onde encontrou um piano a pedir um carinho. Perguntou ao rapaz do bar se podia experimentar o teclado, este disse que sim, espantado.

Sentou-se e ficou ali, esquecido do tempo, a encantar quem chegava, que ficava a ouvi-lo, como se alguém tivesse tido a feliz ideia de contratar um pianista para animar a tarde.

Quando se levantou reparou que o espaço antes vazio estava agora com mais de uma dúzia de pessoas, que o aplaudiram. Dirigiu-se ao balcão para pagar a bebida, mas o rapaz disse que estava paga. Foi a sua vez de o olhar espantado. Pegou num cigarro e foi conhecer a vista do terraço, para depois se fazer à estrada e desaparecer, de um filme, que a única coisa que teve de seu foi o piano do bar. 

O óleo é de Alison Rector.