sexta-feira, dezembro 31, 2010

Claro que Tenho Alguma Esperança, Mas...

Eu sei que o amanhã é apenas o dia seguinte, ainda que seja o primeiro de Janeiro de um novo ano, 2011, e que durante uns dias, sempre que escrever o ano, vou continuar "agarrado" ao ano velho.

Quando a hora chegar vou ouvir buzinas, tachos e panelas, fogo de artificio, gritos de alegria e muita música. Vou-me esquecer, mais uma vez, de vestir cuecas azuis, também não vou subir para nenhuma cadeira e ficar a acenar com notas grandes de euros.

Pois é, estou longe de ser um modelo de virtudes, até sou um bocado "estraga-prazeres", nestas festarias.

Claro que quero que as coisas mudem. Claro que tenho alguma esperança, mas...

Também preciso de mudar algumas coisas cá em casa, especialmente no campo da organização. É um perigo sermos "patrões" de nós próprios (tanta coisa que fica por fazer...). Felizmente estas mudanças dependem mais de mim que dos outros.

No que toca às "dependências" externas, tudo o que desejamos soa a impossível.

Acho que todos gostávamos de ter governantes sérios e competentes (talvez existam em Marte...), que o emprego não fosse uma miragem e que este "capitalismo selvagem" que nos está a levar quase para os tempos da "revolução industrial", fosse banido de vez, por um sistema político mais justo e humano.

Esta parte final quase que parece "discurso de misse mundo", mas acho que é o que todos desejamos e sentimos, especialmente quem já sentiu ou está a sentir o flagelo do desemprego.

Pelo menos ninguém nos proíbe de acreditar no impossível, num 2011 melhor que este "ano de merda", que está quase a passar á história.


(no inicio era só para vos desejar um bom ano a todos, mas depois comecei a escrever e deu nisto...)
O óleo é de Michael Parks.

quinta-feira, dezembro 30, 2010

Escritores & Leitores

Quando a inveja e algum cinismo se juntam a uma bebida forte, podemos ouvir um pouco de tudo, coisas hilariantes, mas também algumas farpas, quase sempre pouco inocentes.

O giro da coisa é quando conseguimos aproveitar alguma coisa do que se diz, mesmo que traga algum "fel" misturado.

O fulano resolveu dizer que já deviam existir mais escritores que leitores, tanto no país como em Almada.

Ninguém lhe deu troco, embora percebêssemos que a "boca" era para a nossa mesa e que o tema até tinha algum interesse...

Eu comecei logo a olhar para aquele lugar e a utilizar as pessoas presentes como "bitola". Senti que ele era capaz de estar certo. Provavelmente havia por ali quem nunca tivesse aberto um livro, pelo menos de livre vontade, para ler...

E realmente publicavam-se muitos livros em Portugal. Se eram a mais ou a menos, dificilmente se chegaria a alguma conclusão. Que a maioria dos livros comprados iam directamente para as estantes, também ninguém devia ter muitas dúvidas. Mas isso tanto acontecia a um Saramago, a um Lobo Antunes com a qualquer autor desconhecido.

Foi então que houve alguém que recuou no tempo e disse que era normal que existisse muito mais gente a escrever hoje que há cem ou cinquenta anos, porque, felizmente, o analfabetismo estava quase dado como "desaparecido" no nosso país.

Se em 1910 a população que sabia ler e escrever rondava os 25%, tudo indicava que no século XIX a percentagem ainda fosse menor, pelo que Eça de Queirós, Camilo de Castelo Branco e companhia, teriam de certeza, muito poucos leitores. E eles sim deviam ser olhados como "lunáticos" pela sociedade...

E foi desta forma, com alguma estatística à mistura, que foi explicada de uma forma pacífica a razão de existirem mais escritores, e leitores claro, na actualidade...

O óleo é de Max Weber.

correr à pedrada o 2010 (4)

O sintoma mais grave de que vivemos numa democracia quase "faz de conta", é o funcionamento da justiça no nosso país.

Quando o próprio procurador geral da República desabafa que se sente uma espécie de "rainha de Inglaterra", refém dos muitos poderes ocultos que se movem na sombra e minam todo o poder judicial, está quase tudo dito.

Não é por acaso que em todos os grandes processos criminais do nosso país, a montanha acaba sempre por "parir um rato" (quando pare...).

A "democracia" em que vivemos é de tal forma absurda que há quem seja condenado, ainda que com pena suspensa, e saia do tribunal a gritar vitória.

A situação é de tal forma grave, que o sentimento de injustiça que se sente ainda é maior que antes de 1974, no tempo dos tribunais plenários, em que se condenavam pessoas sem culpa formada.

Apesar de ser moda no nosso país a "culpa morrer solteira", é fácil encontrar os principais culpados do estado actual da justiça: os políticos e os magistrados.

quarta-feira, dezembro 29, 2010

correr à pedrada o 2010 (3)

Há muita gentinha dentro dos poderes deste país, que se pudesse "acabava de vez com a cultura".

Como não podem (além de dar um bocado nas vistas, é uma impossibilidade...), utilizam vários métodos para "desmoralizar" os artistas e agentes culturais.

O mais usual é o "estrangulamento", cortando verbas, roubando espaços, desviando públicos, etc.

Mesmo assim, parece que os "artistas" se multiplicam, o que lhe dá uma dor de cabeça tramada.

Tentam esconder o cinema e o teatro em gavetas, mas os "malditos" realizadores, encenadores e actores não lhes dão espaço, alguns até conseguem ser premiados em festivais internacionais e ser notícia nos jornais e televisões.

O azar deles é que os "Quixotes" saíram de La Mancha, multiplicaram-se e andam por todo o lado, até pelos cantos mais improváveis do nosso país. E dão cada dor de cabeça aos ministros, presidentes de câmara, vereadores, assessores, directores gerais ou técnicos superiores, que têm medo da cultura...
O óleo é de Leopoldo Sanchez.

terça-feira, dezembro 28, 2010

correr à pedrada o 2010 (2)

Eu bem os corria à "pedrada", mas infelizmente parecem estar mais que preparados para nos continuarem a tramar em 2011...

Sócrates não passa de um vendedor de feira, capaz de vender mantas, lençóis ou panelas, de terceira categoria, além das respectivas caixinhas de "banha da cobra", como se fossem produtos da melhor qualidade. Isto sem esquecer a "costela" que o deixa à mercê da pequena e grande vigarice.

Cavaco é apenas o presidente da República mais ignorante, cínico, arrogante, calculista e vaidoso, desde 1976. Os jornais dão como certa a sua reeleição e logo à primeira volta. A única certeza que tenho é que não será com o meu voto. Já o meu avô dizia para desconfiar sempre de quem apregoa aos sete ventos a sua "honestidade".

Olhando para a dupla, fico com a sensação que há qualquer coisa errada em mim, ou então é no país...

segunda-feira, dezembro 27, 2010

correr à pedrada o 2010 (1)


Se nós nos queixamos da "vidinha", que dizer das mulheres que habitam este país, povoado de falsos cavalheiros, bons no galanteio e no assédio frustrado, que encurtam caminhos em casa e cobardemente praticam outra "linguagem do amor" que deixa as "suas mulheres" com marcas negras, que ainda são mais visíveis nas suas almas...
O óleo é de Kelli Tomphson.

domingo, dezembro 26, 2010

A Carta Astral

Nunca perdi muito tempo com astros e com signos, talvez por sempre ter achado que era um negócio que vivia sobretudo da suposição e da indução (e ainda não tinha conhecido a Maya...).

Há uns anos, de uma forma completamente inocente, contribui para que alguém também deixasse de levar essas coisas tão a peito.

Conhecemos-nos de uma forma gira e isso contribuiu para que tivéssemos uma relação especial.

Ela ainda não fazia cartas, mas já gostava de rabiscar esboços astrais.

Só algum tempo depois é que percebi que estava a ser objecto de "estudo" e a colocar em causa toda aquela ciência...

Uma tarde falámos um pouco mais da astrologia e fiquei a saber que furava muitas das regras do que estava estabelecidas no meu signo. Não era isto, não era aquilo, não era aqueloutro.
Limitei-me a sorrir e a dizer-lhe que há coisas que não são para se levarem demasiado a sério. E nessa altura ainda estava longe de pensar que os cabelos brancos me iriam traziam muito mais dúvidas que certezas...

Sei que fiz com que ela olhasse de outra forma para os astros, pelo menos nesses tempos nossos.

Nós, através da nossa "práxis", podemos aproximar ou afastar as pessoas de coisas que até aí lhe são importantes. E nem sempre é uma coisa boa.

Provavelmente o meu "cepticismo" não a tornou mais feliz...

O óleo é de Michelle Michell'es.

quinta-feira, dezembro 23, 2010

Natal Chique


NATAL CHIQUE

Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.

Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.

Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado…
Só esse pobre me pareceu Cristo.

Vitorino Nemésio

O óleo é de Rob Miliken.

terça-feira, dezembro 21, 2010

As Meninas da Rua do Norte

Eu sempre soube que os poetas eram primos dos inventores e escreviam coisas que andavam por cima e por baixo da realidade.
Não sei se por mera coincidência ou por outra coisa qualquer, o que é facto é que somos um país de poetas e de inventores, olhados de lado na nossa "ilha" e respeitados pelo mundo inteiro.
O meu tio Valentim era poeta e inventor.
Numa das suas passagens por Lisboa, quis passear comigo pelas ruas do Bairro Alto, onde chegou a viver num pequeno quarto de umas águas furtadas, com uma vista divinal. Via o Tejo de um lado e a casa da dona Celeste, doutro. Explicou-me que a dona Celeste tinha as meninas mais bonitas do bairro. E ele sem dinheiro para aquelas belas "extravagâncias"...
O que achei mais curioso, foi ele nunca proferir a palavra "puta" ou "prostituta", muito menos "rameira". Para o tio Valentim as mulheres da vida eram sempre meninas, mesmo que tivessem ultrapassado os trinta e até os quarenta anos.
Talvez fosse apenas uma questão de terminologia, ou então fraqueza de poeta...
Quando chegámos à rua do Norte, mostrou-me com orgulho a janela do seu velho quarto e a casa das meninas da dona Celeste...
O óleo é de Dave Lebow.

domingo, dezembro 19, 2010

Estava Virgem, e Assim Queria Ficar pela Vida Fora...

Não sei muito bem porque entrei naquele lugar. Sei apenas que não foi a primeira vez que me deixei levar por um dos lados errados da noite.

Dois minutos antes vi passar um táxi vazio com o condutor à janela com um sorriso convidativo. Disse que pagava a bandeirada mas ninguém me ligou, preferiam o regresso a casa de cacilheiro e não pela ponte...

Os meus amigos acabaram por entrar e eu fui atrás, mesmo sabendo que a curiosidade já tinha matado um gato ou dois.

De início até achei piada à música psicadélica e ao jogo de luzes que nos transportava para um daqueles filmes do futuro, da família do "Blade Runner", assim como as personagens que se cruzavam connosco, também elas cinéfilas.

Os meus dois companheiros de aventura deixaram-se levar para um dos cantos, quase escuro, onde se ofereciam sonhos caros, daqueles que escondiam pesadelos e deixaram-me por ali, entregue ao acaso.

Fiquei encostado ao balcão, com uma cerveja nas mãos, armado em "pobrezinho da noite", evitando aspirar as nuvens ilusórias que se formavam em cima das mesas.

Uma rapariga saiu do meio da multidão e aproximou-se de mim. Não perdeu muito tempo, dois dedos de conversa depois prometeu-me uma viagem para a terra dos sonhos. Sorri-lhe e disse que não. fingi que estava bem assim.

Percebi uma vez mais o quanto horrível pode ser a lucidez...

Claro que não lhe disse que estava virgem e assim queria ficar pela vida fora.

Mas "pó" não, obrigado. Pó já tinha que chegasse nos poucos móveis da minha casa com "olhos" para o Tejo...
O óleo é de Liana Benett.

sábado, dezembro 18, 2010

Leite Derramado

Acabei de ler o famoso e premiado, "Leite Derramado", de Chico Buarque. Estava cá em casa desde o Natal passado, mas foi preciso ler algumas crónicas e "posts" polémicos (alguns próximos da zona do cotovelo, onde dói), para decidir que já era tempo de o ler atentamente.

Gostei de que li, é um bom livro, não é uma obra prima, mas está muito bem escrito.

O "Xico" escolheu uma história quase banal para nos oferecer uma excelente narrativa (para mim é a sua obra com maior valor literário, embora tenha gostado mais de "Budapeste", com uma envolvência mais gira e empolgante).

O "Leite Derramado" gira à volta de Eulálio d"Assumpção. que vai desfiando a sua vidinha, atalhando aqui e ali, pormenores bastante pitorescos, numa viagem saltitante entre o passado e o presente, convocando os seus antepassados, quase tudo "gente grande", a Matilde, o amor de vida e meia, e claro, os saudosos lugares onde quase foi feliz...

quinta-feira, dezembro 16, 2010

Lá Fora o Frio, Cá Dentro o Calor...

O frio destes dias fez com que me recordasse os começos da manhã em que me acordavas, ao entrares na cama, à procura do meu calor, depois de uma noite de trabalho.
O mais curioso é que nem os teus turnos faziam com que andávamos desencontrados.
Conseguíamos fazer quase tudo com uma perna às costas. Íamos ao cinema, ao teatro, jantar fora, a concertos de música, num tempo de descobertas, em que a vida felizmente andava bastante mais devagar...
Partilhámos aquele velho segundo andar, quase com paredes de papelão, com vizinhos bem mais velhos que nos olhavam como se fossemos marcianos. Nunca percebi se invejavam ou odiavam o nosso amor, que nas horas boas era capaz de abanar o prédio. Sei apenas que raramente nos olhavam de frente.
Mas não nos aquecíamos apenas na cama, a sala também tinha uma lareira, que à distância de duas décadas, permite-me afirmar que substituía com vantagens o ar condicionado ou os aquecedores (que não tínhamos), travando muito bem o fumo, não permitindo que a casa cheirasse a "cigano".
Outras vezes chegavas e eu acordava quando abrias a porta. Adorava ficar a ver-te despires a tua roupa, que colocavas direitinha na cadeira, antes de entrares na cama e esqueceres que o Inverno estava ali, a dois passos de nós.
Éramos tão jovens, tínhamos o tempo quase todo para nós e, mesmo sem ter a certeza, parece-me que vivíamos felizes...
O óleo é de David G, Baker.

quarta-feira, dezembro 15, 2010

A Solidariedade e a Solidariedadezinha

Estes tempos de crise são bons para os "recém-convertidos" à solidariedadezinha (especialmente se houver por ali um câmara de televisão à espreita...).

Falo de todos aqueles que precisam de publicidade para os seus negócios ou para o seu ego e tornam públicas as suas "dádivas". Os restaurantes (claro que há excepções...) foram os primeiros a colocarem-se em bicos de pés para ajudar os pobres com as "sobras" das refeições, mas depois de terem feito as contas, afinal parece que sobra pouca comida...

Poderia continuar a dar exemplos, mas para quê?

A boa prática da solidariedade, mesmo em instituições históricas (como a Cruz Vermelha e Cáritas, por exemplo), suplanta todas as "aventuras" promocionais que nos lembram que ainda há quem acredite que com um bom cheque se pode "comprar" o céu, como na Idade Média.

As coisas quando se fazem com o coração, fazem-se anonimamente, sem se estar à espera de obter qualquer dividendo.

segunda-feira, dezembro 13, 2010

Um Mês num Ano, um Ano num Mês

Chega o mês de Dezembro e voltamos a ouvir falar do circo, é como se este bonito espectáculo se resumisse a um único mês no ano inteiro.

Claro que há uns "resistentes" (pequenas companhias...) que fazem pela vida sempre que lhes é possível. Quando o tempo aquece e surgem as feiras e festas populares, partem em digressão com paragens por cidades, vilas e aldeias, que ainda mantêm o gosto pelas velhas tradições...

Foi um espectáculo que fez parte da minha infância, nas feiras de S. João e de 15 de Agosto, que se realizavam nas Caldas da Rainha, onde cresci.

Não restam muitas dúvidas que estes tempos são muito travessos para uma boa parte das coisas que chamamos "tradicionais", desde o comércio até às diversões...

O óleo é de Josep Baquês.

domingo, dezembro 12, 2010

Quando a Vida é uma Montanha...

Quando a nossa vida é uma "montanha", sobe-se muito, mas também se desce.

Costuma-se dizer que a descer todos os santos ajudam. Se pensarmos que os "santos" são bons rapazes, não é isso que tem acontecido com o Rui, cada vez mais longe dos bons tempos, em que até teve um Porsche Carrera...

Diz que o seu problema tem sido a facilidade com que atrai "vigaristas". Foi assim no futebol e continuou pela vida fora.

Fez excelentes contratos, mas ficavam-lhe sempre a dever dinheiro. Houve anos em que recebeu por inteiro apenas os três primeiros meses, no resto da época limitava-se a receber uma décima parte do ordenado, apenas para comer e pagar a casa e o carro...

No final de carreira abriu um restaurante, a pensar no futuro, que também acabou mal, para variar. A prática que ganhou e alguma popularidade que lhe ficou dos futebóis fez com que conseguisse arranjar emprego na restauração.

Mas nem mesmo assim parou de descer a "montanha"...

Desde que deixou o futebol (há oito anos...), já trabalhou em dez restaurantes. Confessou-me, pela primeira vez, que fica sempre a perder com a troca, ao ponto de hoje ganhar pouco mais que o ordenado mínimo.

É o preço da liberdade, diz ele...

sábado, dezembro 11, 2010

De Vez em Quando Acontece o Impossível

Eu sei, de vez enquanto acontece o que achamos impossível. Pelo menos dentro da nossa cabeça.

Jamais pensara que a senhora com idade para ser minha mãe, que olhava muito para mim como se me estudasse, tivesse conhecido o meu pai. Só à terceira vez que nos cruzámos teve coragem para meter conversa comigo.

No início procurei não acreditar no que ela me contou. Mas depois tive de me render à evidência. Falou exactamente nos lugares por onde ele passou, enquanto viveu na Capital.

Não percebi como me reconheceu, foi por isso que lhe disse que éramos diferentes fisicamente. Ela respondeu-me de uma forma quase enigmática, dizendo que coçava a cabeça e fazia um movimento com a cabeça, que ele também fazia, olhava o chão e depois o céu, num único movimento, lento, esquecido dos outros.

Achei aquilo tão estranho. Há coisas que só os outros conseguem ver...

Depois confirmou-me o seu nome e também o do meu tio, que viveu com o pai naqueles tempos, antes dele viajar para o Oeste, apenas com bilhete de ida e onde descobriu a minha mãe.

Quis saber do pai, disse-lhe que já tinha partido há nove anos.

Ela depois de me pedir desculpa pelo indiscrição, respondeu-me que a imagem que guardara dele, era a de um homem bonito e atraente.

Abanei a cabeça, afirmativamente. As fotografias da época não enganam.

O mais curioso é que não nos voltámos a encontrar.

O mundo tanto pode ser pequeno como grande...


O óleo é de Ivo Petrov.

sexta-feira, dezembro 10, 2010

Claro que Deviam Existir Milagres...

Sei que era uma chatice dividi-los de uma forma justa num mundo injusto como o nosso, mas mesmo assim deviam existir milagres.

Pensei nisto quando me cruzei há poucos minutos com a avó de um menino que era da sala da pré-primária da minha filha.

É uma daquelas senhoras que ao olharmos para ela, percebemos logo que é boa pessoa. E ainda bem para o neto, que precisa mais de amor e carinho que as outras crianças, pelo muito que tem sofrido, desde que começou a crescer, ainda na barriga da mãe, ao tempo adolescente.

Como se não bastasse ser filho de duas "crianças" com apenas dezasseis anos, nasceu prematuro e com problemas respiratórios e cardíacos. Com apenas quatro anos aconteceu o pior e teve de fazer tratamentos contra um cancro, traiçoeiro e cobarde, perdendo quase todas as defesas.

Por todas estas razões, precisa de uma atenção e apoio especial, em casa e na escola. Mas o pior de tudo é perceber-se que tem a vida a prazo, com apenas seis anos de idade.

Ao olhar para este drama familiar, que mesmo assim não rouba o sorriso e a doçura à avó, a pessoa que está sempre a seu lado, só posso mesmo dizer que deviam existir milagres e que este menino devia ter direito a renascer de novo e a ter uma vida igual à dos seus companheiros de escola.

O óleo é Michael Garsmash.

quinta-feira, dezembro 09, 2010

Passar ao Lado deste Tempo de Frases Feitas

Neste tempo de generalizações e frases feitas, nunca foi tão fácil debitar palavras sem muito nexo, como se fossem a coisa mais importante "do mundo".

Isto também acontece porque nunca houve tantos "comentadores" a falar de tudo e mais alguma coisa (pessoas que normalmente não são especialistas de nada, baseiam-se apenas na "xico-espertice", enchendo os meios de comunicação social de banalidades).

Além do jornalismo, a literatura, a musica e o cinema, também têm culpa em muitos destes desvios, porque têm vindo a fazer, cada vez mais, parte integrante das nossas vidas, misturando a ficção com a realidade.

O poeta Tê escreveu e o Rui canta que não se ama quem não gosta da mesma canção que nós (é mais ou menos assim...). Há também quem acrescente que se não nos lembramos do nome de alguém, é porque teve uma passagem fugaz e pouco importante nas nossas vidas.

Mas há muitas mais frases feitas do género.

Claro que nada nos impede de gostar das pessoas que apreciam músicas, livros, filmes, lugares, entre tantas outras coisas, diferentes das que preenchem os nossos gostos.

E também há várias pessoas das quais não me lembro o nome e que foram importantes na minha vida. Como por exemplo a minha professora primária, que foi a primeira pessoa que me estimulou a contar histórias, por gostar das minhas redacções...

É por isso que odeio cada vez mais este tempo de banalidades e de generalizações.
O óleo é de Ivo Petrov.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Manhã em Tons Nocturnos

O dia tem estado tão estranho.

A meio da manhã fiquei com a sensação que estava a anoitecer.

O Sol anda a brincar às escondidas com as nuvens e de vez enquanto deve-lhes espetar uma "alfinetava" e chove uma chuva manhosa como o tempo.

Este Outono já é mais Inverno que outra coisa...


A fotografia quase pintura é de Zravko Mandic.

terça-feira, dezembro 07, 2010

Há Menos Papões e Mais Homens Maus...

Na minha infância os adultos fartavam-se de falar de "papões". Nunca soube muito bem o que eram. Percebi que não eram bem humanos, sei apenas que levavam para longe as crianças que se portavam mal...

Felizmente acabou-se com a história dos "papões". Talvez alguns avós ainda insistam no "fado", talvez. O pior é que a realidade não nos ofereceu um mundo mais tranquilo, muito pelo contrário.

Posso mesmo dizer que os "papões" foram substituídos por "homens maus".

É como se de repente, caíssem todas as máscaras, os vultos e os seres que se passavam por outra coisa, para lá do humano, surgissem aos nossos olhos, apenas como "homens maus", muitas vezes escondidos nas sombras do mundo.


O óleo é de Max Ginsburg's.

domingo, dezembro 05, 2010

«Quem gosta do Mar, gosta de louras.»

Nunca percebi muito bem porque prefiro as louras às morenas, mesmo que seja coisa da adolescência (as minhas paixonetas mais pardas nesses tempos estranhos foram com moças de cabelo dourado...).
Nem Herberto Helder diria melhor que o poeta Zé Gomes (o falso claro...).
De inverno não se vai à praia nem se bebe imperial, pelo menos com a naturalidade primaveril ou veraneia.
Quando ele disse: «quem gosta do Mar, gosta de louras», disse quase tudo.
Percebi onde ele queria chegar.
Quase todas as louras têm olhos azuis ou verdes, de várias tonalidades. Tonalidades essas tão variáveis como a cor do mar...
E a cor dos cabelos? há algo que se confunda com tanta facilidade, com a areia da praia?
Não tinha pensado que poderia ser saboroso falar de louras e de mar, com um tempo destes em que apetece tudo, menos andar na rua...
O óleo é de Alonso Pereira.

sexta-feira, dezembro 03, 2010

Hoje é Mais um Dia de Lembranças...

Todos os dias há um dia de qualquer coisa. Muitas coisas desses dias não nos dizem muito, soam quase a moda. Claro que dias não são dias e hoje vai-se falar até à exaustão de um assunto demasiado sério, para ser tratado como apenas um só dia.

Mas as televisões, os poderes, grandes e pequenos, só têm tempo hoje, só se vão lembrar, hoje, e só hoje, que existem deficientes, que existem pessoas diferentes no Mundo.

Vão encher o mundo de promessas, vão erguer amanhã "passadeiras" para quem se desloca de cadeira de rodas, em todas as cidades, tal como rampas nos edifícios.

Vão sorrir, trocar beijinhos e apertos de mão, falar de integração, de igualdade, de solidariedade, em discursos que não passam disso mesmo, palavras, falsas como judas.

Nem se preocupam que muitas destas pessoas diferentes, sentem as coisas como nós, apesar do rótulo de "coitadinhos".

Às vezes pergunto a mim mesmo, se não seria uma boa ideia, acabar com estes dias de "lembranças"...
Era bom que as cidades não fossem tão pouco humanas, como se vê, ainda que "grotescamente", neste óleo de Mike Kleimo.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

«Hoje senti-me um sapo.»

Quando o Nuno me perguntou se eu já me tinha sentido um sapo, eu, surpreeendido, disse-lhe que não. Não me lembrava de semelhante coisa, mas...

Ele insistiu: «Hoje senti-me um sapo.»

Fui obrigado a sorrir, enquanto esperava que ele desenvolvesse o assunto. E desenvolveu.

Disse-me que sempre que está com mulheres demasiado bonitas, sente-se um sapo.

E pior que isso, farta-se de fazer e dizer disparates. E confessa que não são feitos de propósito, como se fosse um bobo, pago para as fazer rir.

Disse-lhe que talvez fosse boa ideia deixar de andar com mulheres demasiado bonitas.

Abanou a cabeça dizendo que não, mal por mal prefere sentir-se um sapo...

Pois é, também há homens estranhos...

O óleo é de Françoise Nielly.
Adenda: o Nuno tem apenas vinte e um anos e quase todo o tempo do mundo para deixar de ser sapo...

terça-feira, novembro 30, 2010

«A porta está aberta...»

A frase, «a porta está aberta», pode ser mais que uma coisa, é quase um desafio, e como ela respira Liberdade...
Umas vezes é um teste à coragem, uma outra forma de dizer, «abandona-me se puderes.»
Nem sempre podemos, nem sempre conseguimos atravessamos a "fronteira", porque a Liberdade, mesmo que tenha o sabor do doce que mais gostamos, também assusta...
Não, não é apenas uma questão de querer. É quase sempre um problema mais delicado, por pensarmos demais em terceiros e no amanhã.
Talvez sejamos uns prisioneiros da vida que fingimos gostar...
Talvez...
E a porta ali, aberta.
(não, não é um estado de espírito, foi apenas uma forma diferente de ilustrar a fotografia, tirada de manhã na Casa da Cerca...)

domingo, novembro 28, 2010

Esquecimentos...

Não sei se foi o frio, ou outra coisa qualquer, sei apenas que o Carlos estava mais sensível que o costume.

Já tinha achado estranho vê-lo ser levado de trela por um cão, nas ruas da cidade, embora percebesse que a partir de certa idade, quando se vive só, tenta-se arranjar uma companhia fixa. Todos sabemos que os animais são mais fáceis de aturar que as pessoas, é por isso que muita boa gente em vez de fazer um filho compra um cão...

Voltando ao Carlos, ele não me contou nenhuma aventura, não me falou de nenhuma das suas "mulheres" (algumas sei que são roubadas aos sonhos...), falou-me sim, dos dias pequenos, das paredes frias da sua casa e de ser um esquecido.

Antes de se ir embora disse-me: «o maior esquecimento que tive na puta da vida, foi nunca ter feito um filho, não ser pai, não ter ninguém para ficar com as minha colecções de moedas e selos...»

E virou-me as costas...
O óleo é de Teun Hocks.

sexta-feira, novembro 26, 2010

«Está a olhar para o retrato do país.»

O homem de idade quando me olhou a fotografar a fachada do prédio, no largo onde costuma passar o tempo, aproximou-se de mim e disse, com ar triste e sentido: «está a olhar para o retrato do país.»
Ele voltou para o banco de pedra onde estava sentado e eu continuei a minha marcha, acenando-lhe com simpatia, antes de desaparecer...

quinta-feira, novembro 25, 2010

Arte Lisboa 2010


Passei hoje pela velha FIL, entre Alcântara e Belém, para visitar a "Arte Lisboa 2010 - Feira de Arte Contemporânea".

Gostei de várias coisas que vi... como estas esculturas tão vivas que fotografei...

terça-feira, novembro 23, 2010

«Eu bem me escondo, mas eles não me largam.»

Falam de discrição, mas talvez não saibam muito bem o que isso é. É a explicação possível para o facto de saírem de casa de óculos escuros enormes, com hastes brancas ou cor de rosa, "armadas" com uma indumentaria capaz de provocar um torcicolo a qualquer passeante da rua, que caminhe distraído e depois dizerem: «eu bem me escondo, mas eles não me largam.»

Isto sem falar dos jogos perversos que praticam, para aparecerem nas páginas das revistas de dentista.


O óleo é de Sara Bishop.

segunda-feira, novembro 22, 2010

«Estou aqui! Olhem para mim!»

O actor, já com o cabelo ligeiramente pintado de branco, à medida que andava, olhava para todos os lados, sorridente, como se dissesse: «estou aqui! olhem para mim!»


Sempre que isto acontece, faço os possíveis para olhar para o lado e fazer de conta que não conheço as "vedetas" de serviço de lado nenhum.

Até poderia normal que isto acontecesse com jovens, saídos dos "morangos com açúcar", agora com actores da minha geração como foi o caso do fulano, que agora faz de cozinheiro, aliás chefe de cozinha, na novela portuguesa da SIC do horário nobre. Talvez exista por ali qualquer problema de auto-estima, ou de outra coisa qualquer, que não me interessa saber.

Só lhe faltou mesmo atravessar-se à nossa frente enquanto continuámos a conversar e a fingir que não o conhecíamos de sitio nenhum, sem lhe devolver o tal sorriso "telegénico".

O óleo é de Angela Hardy.

sábado, novembro 20, 2010

Vitória de Setúbal faz 100 Anos

O Vitória de Setúbal faz hoje a bonita idade de cem anos.

Está longe dos seus melhores tempos futebolísticos, que tiveram como "comandante" José Maria Pedroto, no começo da década de setenta, onde conseguiu feitos inegualáveis para a camisa listada verde e branca, como um segundo lugar no campeonato, uma final da taça de Portugal, várias presenças nos quartos finais das competições europeias e a conquista de um dos troféus mais valiosos de Espanha, o "Troféu Teresa Herrera".

Desta grande equipa que enchia os estádios com um dos "futebóis" mais vistosos da época, recordo:

Joaquim Torres, Vaz; Rebelo, Carlos Cardoso, José Mendes, Carriço, Conceição; José Maria, Matine, Tomé, Câmpora, Octávio; José Torres, Arcanjo, Duda, Guerreiro (entre outros).
Parabéns ao Vitória, com a esperança de que consiga ultrapassar este período mais complicado da sua vida, tão fértil em vitórias desportivas.
Adenda: No "entre outros" não pode figurar de maneira nenhuma o célebre Jota-Jota, Jacinto João, provavelmente o maior símbolo do Vitória, um avançado esquerdino internacional de grande qualidade, reconhecido pela sua bonomia e que oferecia à equipa um toque artístico único (no final de carreira também vestiu a camisola do Caldas). O curioso é que eu depois de escrever este pequeno texto fiquei com a sensação que faltava alguma coisa. E foi logo a "Pérola Negra" do Sado...

sexta-feira, novembro 19, 2010

Neste Inverno Já Não Chove

Pagavam uma renda baixa a um senhorio ausente, que não passava de uma conta bancária, onde todos os meses depositavam o dinheiro.
Tentaram inúmeras vezes entrar em contacto com ele, mas nunca obtiveram qualquer resposta. Os Invernos eram cada vez mais penosos, já não chovia apenas na cozinha, também caía água no corredor, na casa de banho e num dos quartos.
As paredes ficavam negras e o cheiro a humidade entrava pelas narinas e enrolava-se nos corpos.
Não tinham coragem para tomar qualquer medida, cresceram no tempo do Salazar em que a lei era para se cumprir, sempre, pelo menos para os pobres.
Os filhos culpavam-nos por nunca terem comprado uma casa, na época em que o dinheiro valia pouco.
O único que mostrou interesse em resolver o problema foi o neto, com apenas dezanove anos.
Segundo a sua opinião a primeira coisa que era preciso fazer, era deixar de depositar a renda. No inicio não concordaram, mas depois perceberam que era a única maneira de fazer com que o senhorio saísse do seu pedestal.
Três meses depois um casal bateu à porta. Faltava pouco para o almoço. Foi uma hora boa porque o neto estava presente e foi ele quem abriu a porta. Assim que eles se identificaram, exclamou: «até que enfim.» Depois fez-lhes uma visita guiada pelos cantos da casa, mostrou-lhes os tectos negros e os alguidares no chão, que evitavam males maiores em dias como aqueles, cheios de nuvens escuras.
O casal ficou quase sem palavras e prometeu arranjar o telhado, mas tinha de aumentar a renda. O neto, expedito, disse-lhes: «arranjem o telhado que depois falamos do aumento.»
Sempre acabaram por arranjar o telhado e substituir as janelas e portas de madeira por umas de alumínio. Claro que a renda não triplicou como o senhorio queria, apenas duplicou. Mas valeu a pena, os Invernos são mais fáceis de suportar, sem ter de se ter o desumificador sempre ligado...
O óleo é de Edgar Mendoza Mancillas.

quinta-feira, novembro 18, 2010

Contra Sensos Nocturnos

Encontrámos-nos e falámos de muitas coisas, inclusive da noite, dos lugares por onde passávamos e onde encontrávamos amigos comuns.


Acho que andávamos por ali, meio perdidos, à espera de encontrar alguém, ou que alguém nos encontrasse.

Uma das coisas boas, era continuarmos presos à idade da inocência, o que nos permitia suportar todas as "feira de banalidades" que eram montadas com um sorriso.

Na altura tínhamos a mania de falar da autenticidade e da beleza da noite. Descobrimos que hoje somos incapazes de falar dessas coisas. Acho que mentimos menos a nós próprios.

Nesses tempos tinha uma namorada "protegida" pelos pais e pelos quilómetros que dividiam a Capital dos subúrbios. Ela não tinha ninguém, era daquelas raparigas que fingiam não querer namorar...

Saía muitas vezes comigo, até porque na maior parte dos lugares da noite lisboeta nos anos oitenta só se podia entrar "acasalado". Passou por minha irmã, prima, raramente por namorada. Acho que isso acontecia porque a nossa intimidade ficava-se por alguns passeios de mão dada, mais no Outono e Inverno...

Mas tínhamos uma grande cumplicidade (ainda temos, estas coisas não se perdem com o tempo, mesmo que estejamos meses ou anos sem nos vermos e trocar uma palavra...), talvez por isso alguns amigos comuns pensavam que andávamos "enroscados". Não, éramos demasiado amigos para isso. Coisas que nem toda a gente percebe...

Reparo agora que fiz um desvio na prosa para falar de nós e ainda não toquei nos contra sensos nocturnos.

Passados estes anos todos, chegámos à conclusão que a noite é ligeiramente mais postiça e falsa do que pensávamos, aquela história das pessoas serem mais autênticas com a boleia das estrelas nocturnas, é um "bluff". Muitas vezes não passam de "personagens"...

Realmente passavam-se coisas muito estranhas entre a meia-noite e as três, quatro da manhã. Muita daquela gente que sorria, brincava, entre copos e música, se as encontrássemos na rua no dia seguinte, faziam de conta que não nos conheciam.

Talvez fosse por isso que descobrimos mais uma coisa em comum, as saudades desse tempo.

Praticamente nenhumas. Porque será?

Já há muito que se diz que a noite é uma mulher, mas talvez seja uma mulher pintada, como a representada no óleo de Liana Bennett...

terça-feira, novembro 16, 2010

«Não Tens Frio?»

Entrou na porta do prédio da dona Alda que morava na cave, na companhia do pai, que veio fazer as entregas. Enquanto esperava resolveu subir as escadas de madeira que tinham música. Adorava ouvir os degraus a ranger, era como se falassem uma daquelas línguas que ele não percebia, como a do homem negro que aparecia na mercearia dos pais, e que levava sempre a mesma coisa, uma garrafa de vinho tinto e um pão alentejano.


Quando chegou ao primeiro andar continuou a sua caminhada ao longo do corredor que fazia uma curva uns metros mais à frente.

Foi aí que se cruzou com uma mulher praticamente sem roupa, apenas vestia um robe que lhe tapava as costas. Nunca tinha visto uma mulher tão nua, foi por isso que ficou por ali uns segundos, com os seus olhos quase ao nível dos pelos escuros do "coração" daquele belo corpo feminino.

Ela manteve-se imóvel, com um cigarro nos dedos, olhando o pequeno com ternura. Ele antes de voltar para trás ainda lhe perguntou: «não tens frio?»
O óleo é de Pablo Santibanês Servat.

segunda-feira, novembro 15, 2010

Mestre Lagoa Henriques, um percurso de vida


"Mestre Lagoa Henriques, um percurso de vida", é o título da exposição evocativa sobre este extraordinário escultor, professor e poeta, patente na sede da "Fundação Liga", na Ajuda.
No catálogo da exposição é recordada uma das suas frases emblemáticas: «o grande problema no nosso tempo é conciliar a ética, a estética e a poética.»

domingo, novembro 14, 2010

Kátia Guerreiro no Coliseu

Graças a uma simples frase, ganhei um bilhete duplo para o concerto de Kátia Guerreiro no Coliseu dos Recreios, de ontem à noite.

Mas não pensem que se tratou de um passatempo da rádio, foi sim, do blogue
Acto Falhado, graças à amabilidade de Rita Ferro e de Isabel Rocha.

A frase foi isso mesmo, uma simples frase: «Kátia, és uma das grandes responsáveis pelo fado se ter tornado uma canção mais viva e menos pesada, sem perder o mais importante, a sua alma (tão nossa).»

Poderia ter sido um pouco mais elaborada, reconheço. O seu conteúdo para mim faz todo o sentido, pois lembro-me que com o aparecimento da Kátia Guerreiro e da Cristina Branco, o fado melhorou a sua poética e diversificou a sua musicalidade, acrescentando qualidade ao fado. E hoje temos fadistas muito bons (como nunca tivemos na história do fado), que mantêm viva a "chama" acesa pela Amália por todos os cantos do mundo...

O concerto foi muito bom, a recepção da Rita e dos seus amigos no seu camarote, do melhor que podemos desejar (apesar de ter sido vitima minutos antes dos "amigos do alheio"...).
Continuo a achar que o Coliseu é a melhor sala para concertos, pois cria um ambiente de grande intimidade entre os artistas e o público.

Obrigado Rita!

quinta-feira, novembro 11, 2010

Amor de Parede

O amor, essa coisa estranha, tão afastada das ciências exactas, continua a deixar marcas em tudo o que é lugar.


Parece coisa antiga, mas não é, ainda há quem prefira perpetuar o seu amor nas paredes, ou em caixas de "pandora".

Nem sempre são imagens bonitas, mas pelo menos fica a intenção e a mensagem de amor...

quarta-feira, novembro 10, 2010

Os Collans

Há uma peça de roupa feminina que sempre me causou alguma impressão, pelo seu aspecto escorregadio, falo dos collans (o espartilho e a cinta já não são do meu tempo..).
Não falo totalmente de cor, nos finais dos anos oitenta, princípios dos anos noventa do século passado, fazia parte de um grupo de amigos almadenses, que não dispensavam a noite de Carnaval em Sesimbra, primeiro no pavilhão e depois na sede de algumas colectividades, que já não recordo o nome. Lembro-me que uma delas realizava os bailes num salão antigo, apalaçado e engraçado.
Num desses anos de folia houve alguém que deu o mote, que tínhamos de nos mascarar de "matrafonas", já não sei com que argumento. Foi a primeira e única vez que vesti os ditos collans, por baixo da saia da irmã de um amigo.
Além de sentir que os collans eram um objecto demasiado estranho no corpo, ainda tive de passar a noite a puxá-los para cima...
O Carnaval também serve para isto, para perceber alguns porquês das peças de roupa feminina...

terça-feira, novembro 09, 2010

Os Renascentistas...

Tenho um amigo que nunca se preocupou em ser brilhante naquilo que fazia, preocupou-se sim, em ser feliz, em fazer as coisas que realmente gostava. E foi assim a vida toda.

Sempre gostou de escrever, começou pelos jornais, até chegar aos livros, de contos e de poesia.

Foi fotógrafo amador, premiado em vários salões. Imparável, ainda fez teatro amador e foi coralista.

Hoje sorri quando olha para trás, satisfeito por nunca se ter deixado aprisionar pelas vozes que lhe surrurravam aos ouvidos, que se fingiam preocupadas em que ele caísse no ridículo.

O preconceito é tramado. É a explicação plausível, para que muitas vezes não se encare a sério uma segunda escolha.
Chico Buarque, embora escreva muito bem, é olhado de lado como escritor em muitos lugares, especialmente por quem nunca leu nenhum dos seus livros. Porque o preconceito, além de cego e surdo, é quase sempre ignorante...
Adenda: Já depois de ter escrito este pequeno texto, li que o Chico tinha sido o vencedor do "Prémio Portugal Telecom", da Literatura Brasileira, com a obra, "Leite Derramado". Vêm por aí mais comichões, pela certa...

domingo, novembro 07, 2010

A Janela da Cozinha

Fomos almoçar à tua casa, mais campo que cidade, e tão perto da Serra, essa mesmo, a do poeta Sebastião da Gama.
Meio a brincar, meio a sério, lançaste-nos o desafio, de nos mudarmos para aí, argumentando que o que parece longe fica perto, graças ao comboio, que passa a meia-dúzia de quilómetros.
Mesmo assim, senti que aquele não era o meu campo. O único lugar onde descobri o "meu campo", foi da tua janela da cozinha, parecia uma visão, próxima deste excelente óleo de Amy Weiskopf...

quinta-feira, novembro 04, 2010

Escrever é Tanta Coisa...

Liberdade, claro que é, Maria.

É um dos actos mais livres que nos são permitidos, e o quanto nos liberta...

Terapia? Concerteza que sim, ainda por cima barata.

Há opções que não têm bilhete de ida e volta, a escrita é uma delas. Como muito bem disse Pedro Paixão: «ser escritor é um mistério, algo que não dominamos, que nos escapa das mãos...»

O Carlos falou de angústia, que embora nâo seja sinónimo de felicidade, podia mesmo aparecer, se eu deixasse de escrever, deixasse de dizer o que penso, deixasse de exorcitar os meus "fantasmas".

A Piedade usou a palavra gratificante. Sim, é muito gratificante quando as nossas palavras adquirem a forma de livro, quando alguém nos diz que gostou desta ou daquela história.

A Momo percebeu o que eu quis dizer. A Graça escondeu-se atrás de Torga...

Sim, Anita, fazermos o que gostamos, é o princípio da felicidade...

O problema é que há sempre um porquê. Porque escrevemos? E há sempre uma resposta com apenas duas palavras, «porque sim», e o assunto fica arrumado, independentemente de nos sentirmos felizes...

O óleo é de Pierre Bonnard.

quarta-feira, novembro 03, 2010

Escrever não é Sinónimo de Felicidade

Se não escrevesse sei que existiam fortes possibilidades de ser mais feliz.


Ainda há pouco, antes das sete da manhã, fui perseguido por uma ideia para um policial, que me obrigou a levantar e a colocá-la no papel, com mais alguns desenvolvimentos e gentes, que entretanto foram aparecendo, enquanto eu me mantinha indeciso, se pegava num papel ou não.

Quando não escrevo, acabo por esquecer quase tudo. E depois fico a remoer, «lá perdi mais uma estória...«

O pior de tudo é que mais de noventa por cento destas ideias que aparecem durante e após o sono, acabam por ir parar ao lixo...

É por isso que cada vez tenho menos dúvidas, de que se não escrevesse, existiam fortes possibilidades de ser mais feliz...

A fotografia é de Peter Turnley.

segunda-feira, novembro 01, 2010

A Amante Holandesa

Acabei de ler o romance "A Amante Holandesa" de J. Rentes de Carvalho.


Gostei bastante, talvez por se tratar de um "romance à antiga", daqueles em que não precisamos de andar para trás e para a frente para encontrar o "fio à meada". E também não segue a fórmula dos livros que agarram o leitor logo às primeiras páginas, ou seja, lê-se por prazer e não por obsessão.

É a história de dois homens que misturam sonhos com realidade, sem afastarem muito as nuvens que escondem os seus mundos secretos.
Se desmontar o título, a Holanda é o espaço dos sonhos, e a
Amante, uma ilusão, daquelas que ficam para a vida toda.

Não vou contar a história, até por ser difícil de desmontar em meia dúzia de linhas.
Achei curioso as mulheres serem todas elas personagens secundárias, quase sempre envoltas em mistério, com a fantasia a ganhar vezes demais à realidade, no olhar feminino.

O espaço físico escolhido foi Trás-os-Montes, a província mais distante e rebelde do nosso país.

E como Rentes de Carvalho retrata bem esta gente rural, onde a ignorância é quase sempre atrevida, e até violenta, para aqueles que são de fora, onde as partilhas deixam tantas vezes rastos de sangue...

Foi bom este livro ser um "fura filas" e ter ultrapassado a dúzia e meia de romances que continuam a espera de espaço e tempo, para uma leitura atenta.

As saudades que eu tinha de ler aquilo que chamo de um bom romance.